MICHAEL KIMMELMAN
ENSAIO
BOGOTÁ, Colômbia – Menos de dez anos atrás dois prefeitos pioneiros, Antanas Mockus e Enrique Peñalosa, transformaram uma capital notória pelas drogas e o terrorismo. Mockus concentrou-se na sociedade civil, promovendo a auto-estima cívica e a segurança nas ruas e calçadas. Peñalosa, seu sucessor, promoveu os espaços públicos, criou ciclovias e um extenso sistema de ônibus rápidos. O otimismo estava em alta.
Mas o sistema de ônibus vem deteriorando, vítima do uso intensivo mas também do fracasso das autoridades em ampliar as rotas conforme o prometido, recapar ruas esburacadas, reduzir a superlotação e combater a criminalidade.
Num efeito perverso, as leis de viés verde que visavam reduzir o trânsito e a poluição, um problema sério na capital colombiana, acabaram incentivando os moradores a comprar mais carros e motos. Bogotá virou um problema.
“Somos latinos”, Mockus explicou. “A pior coisa para um homem latino é ter que criar o filho de outro homem.” Ele aludia à recusa de muitos políticos colombianos em aderir a planos concebidos por seus predecessores, preferindo lançar seus próprios planos.
As pesquisas de opinião mostram que o otimismo caiu para o nível mais baixo em 15 anos.
O progresso anterior de Bogotá realmente remete a uma década atrás, a arquitetos e urbanistas como Lorenzo Castro, que construiu praças, pontes, espaços públicos e outras áreas de desenvolvimento cívico. Uma iniciativa governamental para recuperar partes da cidade dominadas por interesses privados, convertendo esses lugares em espaços para o benefício de comunidades inteiras, é igualmente crucial.
Numa visita recente, encontrei bolsões de esperança em obras de arquitetura pública, muitas ligadas às linhas de ônibus e ciclovias. Em última análise, Bogotá nos lembra que as vidas econômicas e sociais das cidades melhoram e decaem dependendo do acesso ao transporte público, parques públicos, espaços públicos.
A biblioteca pública El Tintal, uma construção gigantesca de concreto, ocupa uma antiga usina de processamento de lixo. O arquiteto Daniel Bermudez Samper reutilizou as rampas dos caminhões e o lugar onde os caminhões depositavam suas cargas de lixo, criando uma entrada cerimonial ligada a um novo jardim.
A bibliotecária Mayerlyn Carolina disse que o lugar é frequentado por milhares de pessoas todos os dias.
É também esse o caso do mais recente jardim de infância Jardín el Porvenir, projetado por Giancarlo Mazzanti, cujas bibliotecas e arenas ajudaram a mudar a cara de Milão.
Aberto três anos atrás, o jardim de infância é impecável. Construída pla prefeitura, a escola -para 300 alunos- custou menos de US$ 1,2 milhão. Simples, erguidas nos ângulos do conjunto, suas várias partes são interligadas por rampas, sacadas e escadarias.
O layout da escola, aproveitando a luz do sol e a sombra, com pisos de cores fortes, cria um clima de tranquilidade e transparência. O lugar é um laboratório de exploração e brincadeira.
Nenhum projeto em Bogotá é bem-sucedido sem a participação da comunidade. Cerca de 40 anos atrás o distrito de Bosa era um assentamento com menos de 20 mil moradores. Hoje, tem 500 mil habitantes. A pobreza está entranhada na região.
O centro comunitário Bellavista é uma estrutura abobadada com jardim. Há workshops de computação, aulas de tricô, creche, assistência jurídica e refeições gratuitas.
María Ariza, que é guarda de segurança no centro, diz: “Os moradores daqui não têm nenhuma outra opção”.
Os planejadores urbanos e as autoridades governamentais precisam modernizar a habitação e a infraestrutura valorizando a energia local e o urbanismo que nasce de baixo para cima.
É essa a esperança por trás do dossel que Mazzanti projetou sobre uma praça de concreto em Cazucá, uma favela violenta. O projeto custou US$ 614 mil, valor pago por uma organização criada pela cantora Shakira.
Ele foi concretizado após longas negociações com gangues de traficantes que controlavam a praça. Hoje, crianças jogam futebol na praça e a faxinam diariamente, e há uma horta.
Tive um encontro com Lorenzo Castro, e o que ele disse sobre a biblioteca Tintal se aplicaria também a El Porvenir e Cazucá. “As pessoas nesses bairros dividem um cômodo com cinco outras pessoas numa casinha que abriga três outras famílias, mas elas vão para a biblioteca e vêem o espaço, a construção, o conforto e a segurança. E talvez pela primeira vez, se sentem incluídas na sociedade, na cidade. Elas passam a poder sonhar.”
Fonte: Folha de S. Paulo