Quem vive do trabalho no campo aprende logo a conviver com os riscos. Seja o risco ambiental relativo à distribuição das chuvas ou ocorrência de geadas, seja o risco sanitário, do ataque de pragas ou doenças, seja ainda o risco econômico, da oscilação dos preços dos insumos e dos produtos. Ao longo do tempo, só permanecem em atividade aqueles que, mesmo pressionados por todos esses riscos, e ainda outros mais, conseguem seguir tomando decisões, ano após ano, safra após safra, e garantindo a bem sucedida produção agropecuária nacional.

Devido à importância dessa produção agropecuária para a soberania alimentar, a estabilidade dos preços e do abastecimento interno e para a geração de excedentes exportáveis, essenciais para o superávit da balança comercial, o governo brasileiro criou, ao longo do tempo, um conjunto de instrumentos e de políticas públicas que permite intervir no setor, na tentativa de ordenar ou direcionar o seu funcionamento e desenvolvimento.

Diante da atual crise financeira, originada nos países ricos do hemisfério norte, podemos observar duas posições preocupantemente divergentes entre dois importantes setores que atuam e influem na produção agropecuária brasileira.

Por um lado, o governo federal tem tomado um conjunto de medidas chamadas de anticíclicas, pois vão no sentido contrário ao da crise. Ou seja, se a crise financeira internacional tende a reduzir a demanda por alguns dos produtos da agropecuária nacional pelos países mais atingidos, o governo tem buscado intensificar as ações no sentido de ampliar e diversificar as relações comerciais com países não tradicionalmente parceiros do Brasil, numa clara opção por não colocar todos os ovos na mesma cesta. Outra ação governamental visa fortalecer e ampliar o mercado interno para os nossos produtos agropecuários, ao manter os programas sociais, que inserem no mercado de consumo algo como 11 milhões de famílias, e ao continuar com a política de aumentos reais do salário mínimo, que também tem reflexos diretos no consumo das famílias.

Como é nas famílias mais afetadas por essas duas ações, chamadas de baixa renda, que ainda existe grande espaço para o aumento do consumo de produtos agrícolas e derivados, qualquer incremento de renda nesse segmento da sociedade tem rápido e importante impacto na demanda. Os resultados são fáceis de comprovar, pois basta lembrarmos que as vendas no varejo em todo o país apresentaram crescimento significativo no primeiro trimestre de 2009, superando os 10% no setor de supermercados, responsáveis por grande parte das vendas de alimentos no nosso país. Além isso, o governo garantiu a oferta recorde de recursos para o financiamento – e o seguro, é importante que se diga – da produção agropecuária para todas as classes de produtores.

Por outro lado, de forma surpreendente, algumas lideranças de entidades representativas de produtores rurais têm se manifestado no sentido de pregar o “pé no freio” com relação ao planejamento da safra 2009/2010, sugerindo até uma redução na área plantada.

Enquanto isso, a FAO, órgão das Nações Unidas (ONU) dedicado às questões de agricultura e abastecimento alimentar, sinaliza para um aumento na demanda mundial por alimentos. Indica ainda que existem riscos de diminuição da oferta – com consequência na elevação dos preços – tanto pela competição para produção de biocombustíveis em alguns países como pela queda na produção de algumas importantes regiões agrícolas, por motivo de reveses climáticos ou instabilidades políticas e econômicas. Nesse cenário, quem conseguir manter ou aumentar a sua produção, além de possíveis ganhos financeiros imediatos, consolidará o seu papel no mercado internacional de produtos agrícolas.

Assim, é importante, principalmente para as regiões fortemente dependentes da produção agropecuária para fazer girar seu sistema econômico, analisar os números e os fatos com razão e isenção, mais do que com emoção e parcialidade.

Mesmo para quem não é do ramo, é possível perceber o potencial de geração de riqueza do setor agrícola. Podemos usar como representação desse potencial a figura da “multiplicação dos grãos”, imaginando que cada semente cultivada, de soja ou de milho, após mais ou menos 4 meses, se multiplica em centenas de grãos. Outra figura de fácil compreensão é a comparação entre duas áreas agrícolas vizinhas, uma totalmente cultivada em determinado período e outra que permaneça sem plantio – o chamado pousio – durante o mesmo tempo. Fica claro que, embora as horas de luz solar, as chuvas e o solo sejam praticamente os mesmos nas duas áreas, na primeira esses fatores naturais, somados a ação humana, produzirão uma riqueza que deixará de ser gerada na outra área. Se ampliarmos essa visão, para uma região, município ou estado, poderemos imaginar a magnitude do impacto econômico derivado da decisão do produtor rural em cultivar ou não o solo a cada safra.

Isso demonstra que a decisão por plantar ou não é uma atitude de grande responsabilidade, individual e coletiva, com reflexos econômicos tanto para cada produtor quanto para a economia local.

Principalmente em época de crise, quem dispuser de boa informação e tomar a decisão mais acertada, sofrerá menos os efeitos negativos e sairá da crise em situação melhor do que a que tinha antes da eclosão da mesma.

Diante da situação global e das medidas tomadas pelo Governo Brasileiro, os dados podem até apontar para a necessidade de se ter maior cuidado ao decidir o que plantar e quanto investir, mas certamente a decisão de não plantar é a pior opção para a safra 2009/2010, tanto para o produtor como para o município, para o estado e para o Brasil.

Confio que os produtores, acostumados aos riscos e aos desafios da atividade que tão honradamente desempenham, saberão distinguir entre os verdadeiros interesses nacionais dos eventuais interesses de grupos e tomarão a decisão correta, levando o Brasil a demonstrar ao mundo que pode confiar nos produtores brasileiros para suprir a demanda mundial crescente por produtos agropecuários. Contribuirão assim para manter e até aumentar a atividade econômica nas regiões rurais, fazendo da crise uma oportunidade.

Alfredo José Barreto Luiz é Engenheiro agrônomo, mestre em Estatística e Métodos Quantitativos e doutor em Sensoriamento Remoto. Pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.