Evaldo Mocarzel mostrou seu novo documentário, Cuba Libre, na 35.ª Mostra, que hoje inicia a repescagem. Há dois anos, na 33.ª Mostra, ele apresentou À Margem do Lixo. O filme retrata a rotina dos catadores de papel e materiais recicláveis em São Paulo. É a terceira parte da tetralogia que começou com À Margem da Imagem e prosseguiu com À Margem do Concreto.

Jornalista, ex-editor do Caderno 2, Mocarzel filma tanto que os amigos fazem piada dos ‘trocentos’ projetos que ele sempre está tocando. À Margem do Lixo estreia hoje e, no mês que vem, outro documentário do diretor chegará às salas. Quebradeiras ostenta a fama de ser o mais plástico dos filmes de Mocarzel. Um exercício de estilo (e de elegância de montagem). Comparativamente, não é onde está a força da tetralogia dos excluídos.

À Margem da Imagem é sobre moradores de rua. À Margem do Concreto, sobre ocupações urbanas. Entre os que vivem debaixo do viaduto e as associações que se organizam para ocupar prédios abandonados, providenciando moradias para famílias que não têm, há um passo adiante em termos de organização social (e política). Os catadores também formam sua associação. O que interessa é a construção da consciência política.

É o tema subjacente da obra de Mocarzel. Raros de seus filmes são experimentos estéticos (como Quebradeiras). Do Luto à Luta é, de certa forma, a exceção. Mocarzel, que tem uma filha downiana, fez um filme na primeira pessoa – o filme com a lição de vida, a disposição de enfrentar o problema e a coragem de lutar que fez da menina, Joana, além da maravilhosa criatura que é, uma bandeira, com direito a estrelar novela de Manoel Braga na televisão.

Mocarzel gosta de citar o dramaturgo Luiz Alberto de Abreu. A ficção e o documentário são irmãos siameses da eternamente misteriosa arte cinematográfica. A ficção é mais uma camada da ‘realidade’. À Margem do Lixo surgiu durante a realização de À Margem da Imagem. Aquele documentário discutia a estetização da miséria e o roubo da imagem de quem está na exclusão mais absoluta. Durante as filmagens, Mocarzel filmou ocupações, os movimentos de moradia, os sem-teto e também as cooperativas de catadores de materiais recicláveis. O tournant, o momento da reviravolta, foi sua decisão de mostrar o filme aos moradores de rua e documentar depois suas reações.

Eles lhe disseram que Mocarzel estava misturando tudo – morador de rua com sem-teto e catador. São coisas diferentes. Num encontro com o público, na 33.ª Mostra, Mocarzel lembrou a frase decisiva: “Se você quiser fazer um filme sobre as nossas lutas, faça um filme sobre os movimentos de moradia e outro sobre os catadores”. Os filmes foram nascendo, e chegando ao mercado. O documentário sobre o roubo da imagem deflagrou a série. Pode ser que, do ponto de vista estético/cinematográfico, esses filmes deixem a desejar. Como exercícios de cidadania, e reconhecimento do outro, são imprescindíveis.

fonte: Estadão