O rural e o urbano têm muito a ganhar quando o radicalismo é eliminado e o bom senso impera


O TEMPO vai passando, ministros vão mudando e as discussões sobre o Código Florestal no Senado vão esquentando. Enquanto o Senado busca equilíbrio e isenção em um debate sério, a desinformação ainda é geral, trava-se uma batalha nem sempre tão séria na comunicação sobre o tema. Uma pena!
Posições ideológicas ou radicais e interesses subalternos mascaram a verdade, prejudicando o objetivo maior da nação, que é ter, finalmente, um instrumento legal que regule a matéria.
Felizmente, enquanto isso, o campo vem realizando experiências notáveis que deveriam servir de lição ao debate político.
Projetos em que são parceiros governos, empresas, produtores rurais e ONGs põem na prática a conciliação entre a produção agropecuária e a conservação ambiental, a gestão da fazenda e a remuneração dos produtores rurais pelas florestas que eles mantêm.
Em áreas da Amazônia legal ou vizinhas, como Lucas do Rio Verde, Marcelândia e Querência, em Mato Grosso, ou Paragominas e Santana do Araguaia, no Pará, há exemplos da efetividade do CAR (Cadastro Ambiental Rural).
Nesses e em outros municípios, cerca de um terço das propriedades rurais já está cadastrada. São mais de 50 mil propriedades, ou 50 milhões de hectares cadastrados. Amazonas, Bahia, Tocantins e Mato Grosso também fazem progressos para implementação do CAR, que consiste em fazer o registro dos imóveis rurais na Secretaria Estadual de Meio Ambiente, por meio eletrônico, para fins de monitoramento, assegurando a regularidade ambiental da fazenda.
Com ele, o governo pode controlar o desmatamento ilegal, sabendo onde ele ocorre e quem é seu responsável. No futuro, poderá controlar também a implementação do Código Florestal. Sem um bom cadastro, mesmo o novo Código em discussão no Congresso será apenas uma lei no papel.
O produtor e o mercado também podem ter ganhos diretos com o CAR. Empresas do agro e supermercados comprovarão aos consumidores a qualidade ambiental das fazendas de onde se originam seus produtos. Os produtores podem receber pelos serviços ambientais de suas florestas, e isso não é só teoria ou aspiração, é realidade.
Na mata atlântica, mais de 350 produtores rurais já recebem pagamento em dinheiro pela água produzida pelas florestas conservadas ou em recuperação. São 40 projetos em curso, como os de Extrema (MG), de Rio Claro (RJ) e de Camboriú (SC), que, em breve, adicionarão outros 500 produtores a esses arranjos, segundo a recente publicação “Pagamento por Serviços Ambientais na Mata Atlântica: Lições Aprendidas e Desafios”, lançada pelo Ministério do Meio Ambiente.
A principal fonte financeira para os pagamentos são os Comitês de Bacia, que podem cobrar dos grandes usuários e de poluidores da água e reinvestir os recursos na manutenção da qualidade ambiental da bacia hidrográfica.
São fontes de recursos já existentes, que hoje começam a reconhecer o papel das florestas para a produção de água e o papel do produtor rural nesse serviço.
O carbono contido nas florestas, ou mesmo o retirado da atmosfera pelo reflorestamento, também já gera renda. Segundo a TNC, uma ONG ligada ao ambiente, produtores rurais, entornos de reservatórios e unidades de conservação são beneficiados por 33 projetos que investem no reflorestamento e cujo carbono é comercializado no mercado voluntário, com empresas que compram créditos, seja para a neutralização das suas emissões, seja na expectativa de um mercado futuro.
Código Florestal, pagamento por serviços ambientais e Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) são temas de projetos de lei que tramitam no Congresso e que podem aproveitar as lições dessas várias iniciativas de campo que, por sua vez, precisam de escala.
O rural e o urbano têm muito a ganhar, em dinheiro e em qualidade de vida, quando se equacionam a agropecuária e a conservação ambiental, em via de mão dupla, quando o radicalismo é eliminado e o bom senso impera.

ROBERTO RODRIGUES, 69, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Depto. de Economia Rural da Unesp – Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 14 dias, nesta coluna.
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Fonte: Folha