O Brasil está aquém das metas de preservação da biodiversidade que assumiu para 2010 dentro da CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica), o mais importante acordo internacional para gestão da fauna e da flora do planeta. Em vigor desde dezembro de 1993, o tratado entra agora numa fase crítica sob o risco de virar uma peça de ficção, por culpa do Brasil e de outros países signatários.

No ano que vem, em Nagoya (Japão), os membros da convenção terão de mostrar se fizeram a lição de casa. Um dos indicadores para saber se a CDB vem sendo seguida nas nações que assinaram o texto é o conjunto de metas que cada uma delas definiu para si.

O Brasil apresentou suas metas em 2006. Duas delas são até ambiciosas –zerar o desmatamento da mata atlântica e reduzir em 75% o desmate amazônico–, mas não serão cumpridas. O país provavelmente será cobrado pelo cumprimento daquilo que foi colocado no papel.

Vexame global
“A internalização da CDB aqui no Brasil foi extremamente mal conduzida pelo governo”, disse à Folha o botânico Carlos Joly, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Segundo ele, que acompanha as políticas para a biodiversidade há décadas, o país não vai atingir as promessas de 2006. “O meu medo é que a gente chegue a Nagoya sem condição de dizer quanto realmente o país deixou de cumprir as metas.”

Charles Clement, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), diz que a CDB “não teve efeito desejado nem na Amazônia, nem no Brasil, nem no mundo”. Segundo ele, esse quadro se delineou desde o encontro de Joanesburgo, em 2002, apelidado de Rio+10 (em alusão ao encontro de 1992 no Brasil).

“Desde então, a taxa de extinção continua a aumentar e os benefícios econômicos esperados não aparecem em uma velocidade apropriada para frear esse processo”, diz.

Segundo Joly, nem mesmo os cientistas conseguiram produzir os dados que gostariam, atrasados por entraves burocráticos. “Não há pesquisa, basicamente, porque ninguém consegue as licenças para as coletas na mata”, diz Joly.

O diretor de conservação da biodiversidade do MMA (Ministério do Meio Ambiente), Braulio Dias prefere enxergar as metas com uma abordagem alternativa. “Elas devem ser vistas como uma primeira etapa de um longo processo de mudança de paradigmas, de como as sociedades e os governos usam a biodiversidade”, diz. “Na COP 10 [sigla que designa a próxima reunião da CDB] deveremos aprovar um novo plano estratégico da convenção com metas para 2020 e 2050”, afirma Dias, do MMA.

Fabio Scarano, diretor-científico do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, uma instituição federal, diz que parte da lição de casa está sendo feita. “A primeira lista de espécies de plantas do Brasil, que terá mais de 40 mil nomes, ficará pronta em dezembro, dez meses antes de Nagoya”, afirma.

Segundo Scarano, outro documento importante –o livro vermelho de espécies ameaçadas de extinção da flora brasileira– ainda não está pronto, mas deve ser concluído até a próxima reunião da CDB.

Outras metas do Brasil na convenção -como redução do desmatamento e combate a espécies invasoras- não serão atingidas. O ritmo de criação de unidades de conservação florestal teve um aumento substancial, mas também ficará abaixo da meta. “Neste campo, dava para ter avançado um pouco mais”, diz Joly.

Repartição de benefícios
O receio de que as metas da CDB pudessem não ser cumpridas existia desde quando o acordo nasceu, na Rio-92, reunião patrocinada pela ONU no Rio de Janeiro há 17 anos. A intenção do documento, que passou a vigorar em 1993, era criar um marco diplomático para ajudar a preservar a biodiversidade global, mas pouca coisa foi feita como o documento previa.

O grande gargalo das discussões hoje é a repartição dos benefícios pelo uso dos conhecimentos de índios e comunidades tradicionais. Sem o desfecho desse nó –algo que pode ocorrer na próxima reunião da convenção, em outubro de 2010– a contribuição real do documento será quase nula, dizem os especialistas no tema.

Afra Balazina
Eduardo Geraque
Folha de S.Paulo