A participação da Consulesa da Venezuela em Manaus, Rosalinda Madrid, no VI Seminário Internacional de Sustentabilidade, foi centrada na vocação do seu país para o ecoturismo e as preocupações para que ele se desenvolva sob os critérios da sustentabilidade.

Não existe dúvida de que o turismo desponta como uma das mais amplas e rentáveis atividades econômicas em âmbito global. Durante a década passada esta atividade manteve um crescimento na ordem de 4 a 5% ao ano, trazendo muitas ameaças reais e potenciais às áreas naturais da Venezuela. No novo milênio, esta situação exigiu a adoção de uma série de medidas e ajustes na oferta de serviços, especialmente naquelas regiões que são mais suscetíveis à degradação ambiental e cultural, como é o caso dos trópicos.

O enfoque tradicional do turismo sempre foi o aproveitamento unilateral das maravilhas naturais, deixando muito pouco, ou quase nada, aos habitantes locais das áreas silvestres, assim como à conservação do meio ambiente. Diante desta constatação, paulatinamente, foi ganhando espaço uma modalidade de turismo denominada ECOTURISMO. Muitos autores, estudiosos e especialistas têm apresentado diferentes definições para esta modalidade de turismo, pelo que fica muito complicado estabelecer um consenso acerca do que deve ser considerado como “Ecoturismo”.  Este fato tem propiciado a utilização deliberada do termo para promover ofertas e atividades que só possuem como base e valor agregado a contemplação de uma paisagem natural e dos elementos que a integram.

Na Venezuela, o conceito mais simples de Ecoturismo foi definido em 1992, durante IV Congresso Mundial de Parques e Áreas Protegidas, e o conceitua como “uma viagem responsável até as áreas naturais que mantém o bem estar das populações locais e conserva o meio ambiente.

Assim, entendemos ECOTURISMO como a atividade turística que promove:

1) Viagens e atividades recreativas responsáveis até áreas naturais silvestres com a finalidade de apreciar, desfrutar e fundamentalmente, entender   tanto  os  problemas ambientais como os valores naturais e culturais que estas áreas possuam;

2) O apoio à conservação da área natural;

3)  A participação das populações locais, assegurando que elas obtenham o máximo benefício econômico proveniente da atividade turística, e lhes permitam minimizar práticas não sustentáveis e utilizar, razoavelmente, os recursos em benefício da comunidade;

4) A máxima diminuição dos possíveis impactos ecológicos e culturais que esta atividade possa gerar;

5) A educação ambiental e a formação de valores, tanto dos visitantes como da comunidade local,  para  que  contribuam  com o financiamento da conservação das áreas naturais e das tradições culturais existentes.

Para nós, da Venezuela, estes são os critérios gerais básicos que devem marcar o verdadeiro Ecoturismo.  Mas, simultaneamente, acreditamos que é importante e necessário assinalar que a prática do Ecoturismo deve ser compatível com os fundamentos do conceito de sustentabilidade, que são: princípios de ética e eqüidade; geração de oportunidades econômicas para assegurar o bem estar da comunidade local; princípios de prevenção (minimizar impactos negativos); e conservação ambiental como base do desenvolvimento.

Mas o Ecoturismo não deve ser concebido como uma panacéia para resolver os problemas das áreas naturais das comunidades que as rodeiam e influenciam. Para assegurar seu êxito, esta modalidade de turismo deve ser promovida como uma alternativa complementar dentro do planejamento de sustentabilidade, na estratégia regional de gestão, que ofereça uma variedade de alternativas de desenvolvimento às populações locais e mantenha a diversidade biológica e a qualidade ambiental.

A Venezuela, localizada no extremo Norte de América do Sul, se encontra entre os15 “Países Megadiversos” do planeta.

Nossa biodiversidade é impressionante com cerca de 25.000 espécies de plantas, 790 de peixes marinhos, mais de 1.000 de peixes de água doce, 292 de répteis, 1.348 de aves, 298 de anfíbios e 343 de mamíferos identificadas até o momento. Estes números vão crescendo na medida em que novas investigações são realizadas e as áreas naturais sejam preservadas eficientemente.

Muitas espécies que se encontram atualmente em perigo de extinção não serão salvas a menos que um valor agregado por sua presença seja destacado e incorporado à oferta turística das áreas naturais, incorporando sempre as comunidades rurais que com elas co-existem. Dessa maneira, resultará especialmente interessante preservar as espécies e seus habitats, atraindo mais riqueza e renda ao cenário rural.

É importante lembrar que a Venezuela e o Brasil compartilham 2.200 quilômetros de fronteiras, dos quais 895 se localizam entre os estados Bolívar (Venezuela) e Roraima (Brasil) e 1304 km entre os estados Amazonas de ambos os países. O segmento correspondente ao estado Bolívar é o mais ativo, e se apresenta atualmente como una fronteira viva, particularmente na linha divisória próxima de Santa Elena de Uairén, na cidade fronteiriça conhecida como “Villa Pacaraima”, na parte brasileira. A parte correspondente aos estados Amazonas, de ambos os países, onde se encontra a maior selva tropi¬cal do planeta, é uma fronteira, do ponto de vista comercial, muito menos ativa.

Entre os estados Bolívar e Roraima temos estabelecido nexos importantes nos últimos anos. Particularmente entre os dois centros urbanos extremos, localizados entre os rios Orinoco e Amazonas,  que são a cidade de Manaus, construída pelos portugueses em 1669, capital histórica da região Amazônica, e Ciudad Guayana, na Venezuela. Esta última, conhecida também como Puerto Ordaz, é um ponto de re¬ferencia localizado ao sul da Venezuela, que atua como pólo energético, mineral e industrial na parte baixa do rio Caroní. Por sua vez, a cidade de Manaus, si¬tuada a dois mil e 350 quilômetros por via terrestre de Caracas, atua como um importante pólo industrial devido a sua Zona Franca criada em 1967, quando começou também a instalação de fábricas para a montagem de produtos eletro-eletrônicos. Atualmente, a Zona Franca de Manaus conta com a presença de mais de 200 indústrias e deve ter um faturamento anual que certamente ultrapassa a cifra de dois bilhões de dólares anuais.

Atualmente essas duas cidades se vinculam entre si através da BR174, que abre passagem para o comércio, a cultura e, em geral, para pessoas e mercadorias. A estrada, que estabelece uma comunicação entre Manaus e Caracas, foi concluída em 1997. Os 3.600 quilômetros devidamente pavimentados representam um avanço na proposta de intercambio comercial, uma vez que acelera o crescimento de cidades fronteiriças como Boa Vista (capital de Roraima), Santa Elena de Uairén, e outras. Da mesma forma, a estrada ajuda a aproximar populações que se mantinham praticamente incomunicáveis. A partir de 1994, quando se estabeleceu um acordo internacional de circulação de caminhões de carga entre o Brasil e a Venezuela, acelerou-se o processo de aproximação comercial da região, fazendo surgir inumeráveis oportunidades de negócios, principalmente na área do ecoturismo.

Evidentemente, a estrada é um fator de articulação permanente entre o Norte do Brasil e o Caribe Venezuelano, convertendo-se, sob muitos aspectos, em um marco sólido de referência dentro do processo de integração continental, principalmente quando a BR 317, no trecho Manaus/Porto Velho estiver plenamente asfaltada, permitindo a conexão com a BR 364 rumo ao restante do Brasil e com as alternativas de Saída para o Pacífico, quer seja pelo Peru, via Assis Brasil/Iñhapari, ou pela Bolívia, via Guajará-Mirim/Guayaramerin. Não é preciso ser especialista no assunto para antever o imenso potencial turístico que essas conexões irão favorecer.

Mas mesmo agora, a estrada segue paralela à Linha de Transmissão que conduz a energia gerada na represa do Guri, na Venezuela, até a cidade de Boa Vista, a 520 km de distância, e eventualmente, em futuro próximo, pela construção do gasoduto, até o resto da América do Sul. Esta nova situação transforma também a represa do Guri em um centro importante para o desenvolvimento da região amazônica e se integra a área de influência geopolítica brasileira.

Dados obtidos junto aos ministérios de infra-estrutura dos dois países indicam que estão realizando estudos para a ampliação da estrada e sua conversão em um tronco para novas vias de comunicações com outros pontos importantes localizados nesse imenso espaço. Existem estudos de viabilidade para complementação da estrada, com a construção de uma estrada de ferro entre as cidades-portos, de Puerto Ordaz e Manaus, vinculando os rios Orinoco e Amazonas. Este meio de transporte seria movido com energia elétrica Venezuela e, segundo as projeções realizadas, poderia vincular os estados brasileiros de Roraima e Amazonas para seguir depois pelo território Esequibo, na República Federativa de Guayana, e depois en¬trar no Município de Caroní, onde se vincularia com a ferrovia da CVG (Corporación Venezolana de Guayana)/Ferrominera del Pao. Segundo tais estudos, a ferrovia se conectaria através da segunda ponte do Orinoco com a malha ferroviária nacional, especialmente com a linha que se estenderá até o porto de Cariaco, no Golfo de Paria, e de lá com os portos de Cumaná e Guanta. Não cabe dúvida que essas obras terão grande importância na integração física, turística, comercial e cultural dessa extensa região compartilhada entre os nossos dois países.

Entre a parte sul da Venezuela e a região norte do Brasil, no que compreende o imenso espaço entre os rios Orinoco e Amazonas, pretende-se incrementar, nos próximos anos, a integração de obras de infra-estrutura com o objetivo de melhorar o transporte binacional. O governo Hugo Chávez pretende construir novos aeroportos para aumentar o número dos já existentes, em Puerto Ordaz e Santa Elena de Uairén. E também melhorar e construir as conexões fluviais entre os dois países, o que também é plano do presidente Lula, dando cumprimento ao estabelecido no Tratado de 1859.

A execução de todos esses projetos provocará impactos positivos em todos os tipos de atividades econômicas na região, razão pela qual todos eles deverão ser precedidos por criteriosos estudos de impactos ao meio ambiente, sempre levando em conta a questão imperiosa da sustentabilidade.

Essa aproximação registrada entre o Brasil e a Venezuela, durante os governos de Lula e Chávez, representa uma satisfatória convergência de suas políticas exteriores expressa mediante una “aliança estratégica”, consistente em uma quantidade de acordos e tratados que vêm se ampliando e sedimentam as aspirações compartilhadas pelos dois países de alcançar a unidade continental da América do Sul. Em termos concretos, podemos afirmar: as relações entre Venezuela e Brasil transitam por um novo momento histórico, produto de um reconhecimento mútuo, que cria bases de convergência e projeta enormes possibilidades de crescimento conjunto no século XXI.

Revista Ecoturismo