Natália Ribeiro do ValleEm meio a tantas dificuldades do dia a dia, a tantos absurdos cometidos pelos homens, tantos desmandos, corrupção e crimes, chega a ser estranho admitir que, apesar de tudo, me sinto mais crédula, mais cidadã, cumpridora de meus deveres e, acima de tudo, orgulhosa por não ter desistido de brigar por algo que prezo: o meio ambiente.

Esse meu estado de espírito tem uma explicação: a bela praia das Toninhas, em Ubatuba, no litoral paulista, palco dos momentos mais felizes da minha vida, que vinha sendo vítima da irresponsabilidade de empresários, poderá continuar sendo o meu paraíso. Sei que é um pedacinho no meio de tantas áreas degradadas em nosso país, mas acredito que é cuidando do que está perto que podemos dar nossa melhor contribuição para a preservação da natureza.
A experiência, que relato abaixo, me fez muito bem e acho importante dividi-la com outros cidadãos que de alguma forma se sentem ofendidos em seus direitos, para que jamais desistam de lutar.

Em dezembro do ano passado, como em todos os anos, estive na praia das Toninhas, para relaxar e celebrar mais uma passagem de ano com meus familiares e amigos. Depois de um pequeno passeio, eu já não podia reconhecer o lugar onde cresci. A praia das Toninhas havia virado local de despejo de esgoto que exalava um cheiro horrível.

Indignada, meu primeiro impulso foi o de pedir socorro. E foi o que fiz, afinal esgoto não faz parte da paisagem.

Minha formação em direito me ajudou a escolher os caminhos para conseguir que minhas reclamações chegassem a quem pode e tem obrigação de resolver questões dessa natureza. Mas foi como cidadã que comprei a briga para que fossem tomadas as medidas necessárias para deter a irresponsabilidade de alguns empresários, que lançavam esgoto ao mar. E que faziam de moradores e turistas desavisados seus cúmplices nessa empreitada, tornando a Toninhas uma praia imprópria para o banho.

Os jornais já informavam que a Cetesb tinha declarado a praia das Toninhas imprópria. Pessoas estavam ficando doentes, com problemas de pele e virose. Inconformada com aquela situação, resolvi escrever um artigo. Na verdade, foi um desabafo e, nessa hora, o coração fala mais alto que a razão. O título dava a exata noção de minha indignação: “Merda ao Mar”.

Distribuí meu desabafo a todos os meios de comunicação, jornais, blogs, rádios, que pudessem dar volume a esse grito de socorro. Alguns publicaram em sua forma original. Outros, menos tomados pela emoção, mas sabedores da real problemática, mantiveram o texto mudando o título para “Poluição nas praias”. Na verdade, hoje admito que o título original era mesmo a expressão de um estado de espírito individual. O importante era alertar para o problema e isso foi feito. A imprensa foi fundamental para dar voz a uma comunidade que estava sendo alijada de seus direitos.

O artigo suscitou e-mails e cartas de dezenas de leitores que compartilhavam do meu descontentamento. A quantidade de contatos recebidos pelos jornais que o publicaram inspirou a realização de reportagens. Ao mesmo tempo, os moradores do bairro se mobilizaram e fizeram um abaixo-assinado que já coletou 270 assinaturas.

Estou convencida de que foi a somatória de manifestações, via imprensa, telefonemas e cartas que fez a Cetesb convocar a primeira reunião para discutir os problemas das Toninhas com as pessoas interessadas na questão, que aconteceu no mês de janeiro.

Nessa reunião, aberta à comunidade, foram discutidas não só a questão do condomínio, mas todos os outros problemas da praia, entre eles, a existência de 70 casas não ligadas à rede de água e esgoto. Foram também questionadas as formas de operacionalização da estação de tratamento, para as quais a Sabesp se comprometeu a apresentar um projeto de melhoramento da estação, garantindo que a praia das Toninhas não passe por qualquer tipo de problema na próxima temporada. Já os responsáveis pelo empreendimento, que comporta um condomínio e um hotel, acertaram pagamento à Sabesp para que seja feita a ligação da propriedade à rede pública de esgoto.

Hoje, comemoro o desfecho do caso, que resolveu não apenas aquele problema pontual, mas fará regulamentar todas as propriedades que não estão em conformidade com as determinações dos órgãos reguladores de saneamento na região.  Mais do que isso, comemoro o resultado vitorioso do esforço que compartilho com todos, órgãos públicos, comunidade e imprensa e com os empresários que se sensibilizaram pela causa do meio ambiente e decidiram, de forma amigável, regularizar a situação da propriedade. O resultado é um alento em meio a tantos desmandos e um incentivo aos cidadãos para que não desistam de sua luta.

Fonte: Natália Ribeiro do Valle
Foto: Daiane Oliveira