Donos do dinheiro passam a fugir até de títulos da dívida de países ditos mais “sólidos” da eurozona

COMO SE PERCEBEU nas duas últimas semanas, os corvos que começaram a bicar a Grécia em 2009 sobrevoam agora a França. Notam-se bicadas até em países “sólidos” do norte da Europa, como a Holanda.

Muito de leve, as taxas de juros para os papéis da dívida do governo holandês subiram em relação às alemãs (“risco zero” da eurolândia).

Itália e Espanha agora correm o risco de ver o mercado ficar inviável. Isto é, os donos do dinheiro cobrariam taxas altas demais para refinanciar as dívidas públicas.

Em suma, chegou ao coração da Europa o problema do “risco de crédito” (possibilidade de calote ou outros eventos menos traumáticos).

Não se trata de dizer que a França ou, menos ainda, a Holanda padecem de “iliquidez” (escassez temporária de financiamento) ou, absurdo, “insolvência” (incapacidade de pagar). Mas os donos do dinheiro estão batendo em retirada do mercado de financiamento de dívida pública europeia. Os papéis da dívida pública, os empréstimos ao governo, estão apodrecendo.

Não se trata mais de evitar a derrocada final da Grécia, ou então apenas a da Grécia, a dos bancos credores dos gregos e a dos bancos que têm negócios com esses últimos.

Como dizem os economistas, parece que estamos no início de uma “crise sistêmica”. O contágio é geral. Faltam apenas algumas ocorrências, como Itália e Espanha desistirem de uma rodada de refinanciamento de dívida, um rebaixamento (ou perspectiva de) da nota de crédito da França etc.

Tal estado de coisas evidencia de vez que não foram suficientes os “socorros” e seguros da União Europeia. Os empréstimos concedidos ou projetados aos países semiquebrados não evitaram a ruína adicional deles nem o contágio dos mais ricos e maiores.

Os empréstimos indiretos do Banco Central Europeu a governos e bancos sob ameaça, ainda tímidos, também não bastaram.

A União Europeia, aliás a Alemanha, reluta em admitir o colapso e transferir mais fundos para países sob risco iminente, tanto por meio fiscal (dinheiro dos impostos) como por meio da criação de moeda (via Banco Central Europeu). Mas já entraram nesse rio, molhando apenas a ponta dos dedos dos pés.

É difícil ler ou ouvir um comentarista econômico de bom senso, de banco a governos, da “esquerda” à “direita”, para quem exista saída para a eurozona que não passe pelo aprofundamento dos “socorros” e da união fiscal e monetária.

Isto é, por um meio ou outro, a unificação das dívidas e orçamentos europeus, com auxílio do BCE e exigência de contrapartidas dos países “indisciplinados” (“gastadores”, improdutivos, endividados). Ou, então, a expulsão dos países quebrados, com o restante da eurozona cobrindo rombos que ficarão da dívida desses governos caídos.

Seguido até agora, o caminho do arrocho não funcionou. Pior, afetou muito até o crescimento alemão, que não deve passar de uns 0,7% em 2012 na melhor das hipóteses. Se a Alemanha cresce apenas isso, a Europa estará em recessão.

A China cresce um tico menos. Os EUA podem se sair melhor, isso se o Congresso, republicanos em especial, não acabar com os planos de estímulo econômico e asfixiar a microrrecuperação econômica. A Europa terá de se virar só. E logo.

vinit@uol.com.br

fonte: folha de sp