Entrevista com Carlo Carraro sobre os possíveis resultados do Acordo sobre o clima de Paris

Vice-Presidente do terceiro grupo de trabalho do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Não há necessidade de outras apresentações para Carlo Carraro, economista e acadêmico italiano que encontramos na Conferência do Clima da ONU (COP21), e que dividiu conosco suas impressões sobre os últimos dias de negociações.

Como estão indo as negociações, qual o clima que se respira?

O clima é positivo e cooperativo. Pela primeira vez, a forte oposição que sempre existiu entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento foi bastante atenuada. Existe consciência, entre os últimos, de que a mudança climática é um problema que tem a ver com desenvolvimento econômico e não só com o ambiente. A chave de leitura é esta: as mudanças climáticas têm impacto sobre o crescimento econômico destes países, mas também sobre a pobreza e sobre a disponibilidade de recursos primários como a água. Desta consciência deriva o fato de que os países em desenvolvimento precisam, de qualquer forma, fazer alguma coisa. Esse “alguma coisa” é parte de um processo mais amplo em que o esforço principal é feito pelos países desenvolvidos. Mas os países em desenvolvimento também têm de contribuir. Não tanto pela responsabilidade que eles não têm, já que as emissões que temos na atmosfera foram liberadas pelos países desenvolvidos. Mas porque o processo de desenvolvimento que estão iniciando exigirá deles um crescimento diferente. Eles não podem emitir tanto quanto nós já emitimos, simplesmente porque o próprio planeta não permite.

Para seguir um caminho diferente, precisamos de um acordo global em que os países desenvolvidos façam o principal esforço, mas também que se comprometam em transferir as tecnologias e os recursos financeiros de que os outros precisam para crescer de forma diferente. Este é o nó da COP que ainda não foi resolvido. Existe consenso suficiente sobre o caminho a percorrer e sobre os compromissos a serem tomadas. O que está em negociação é quem vai colocar os recursos e quantos serão estes recursos.

Então falamos de tecnologia e recursos financeiros. Em termos práticos, no entanto, ainda não há consenso sobre como e quando fazê-lo…

Na verdade, não é exatamente assim. Os resultados apresentados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) nestes dias mostram que, dos 100 bilhões do Green Climate Fund que deveriam ser atribuídos anualmente para apoiar as iniciativas de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento, já temos aproximadamente 60. Ou seja, uma parte do investimento já foi feita. Mas não é suficiente: sabemos que temos de chegar a 100, que precisamos investir mais na adaptação. Por enquanto, 77% são investidos na mitigação, ou seja, na redução das emissões. Temos de investir mais na adaptação para defender os países dos impactos da mudança climática. A questão é que temos pouca percepção do quão problemática é a mudança climática nos países mais vulneráveis. Na Europa, apesar de tudo, percebemos alguns eventos mais extremos, secas mais fortes, mas não temos a mais pálida idéia dos enormes impactos que estão ocorrendo nesses países. Então, é preciso mais apoio para lidar com situações de emergência a curto prazo e não apenas para as estratégias de longo prazo. Mas não estamos longe de um acordo – termos chegado a 60 bilhões de dólares é um grande resultado.

Portanto, temos os elementos de pessimismo, mas também de otimismo.

Sim, eu me focaria naqueles de otimismo. Nós temos, pela primeira vez, um acordo envolvendo 182 países – e isso nunca tinha acontecido. Este acordo cobre 96% das emissões globais, quando em Kyoto chegávamos a 14%. Portanto, não há comparação. Supera-se assim a divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Mas, acima de tudo, com os compromissos já existentes e aqueles que estão sendo buscados, conseguiremos pela primeira vez parar o crescimento das emissões. Nos últimos 40 anos, temos visto um crescimento de cerca de 1,2% ao ano. Nos últimos 10 anos, a taxa dobrou. Quanto mais consciência temos, quanto mais negociamos, quanto mais discutimos as emissões, mais elas aumentam. É muito paradoxal. Em Paris, pela primeira vez, as emissões estacionaram. Não diminuíram, mas estacionaram. E com o Acordo de Paris, em 2030 vamos estabilizar. Depois de 2030 elas terão de descer, mas enquanto isso, demos um bom passo. Acho que essa é a notícia mais positiva.

Estima-se que os compromissos de redução das emissões colocados na mesa antes de Paris (os chamados INDCs) não serão capazes de manter o aumento da temperatura abaixo de 2,7°C. Nesses dias, porém, ouvimos muito falar na necessidade de se manter o aumento dentro de 1,5°C. Qual é a relação entre esses números?

Quem deu a informação de 2,7°C também explicou que isso pode ser alcançado se as emissões permanecem no nível de 2030 até 2100. Mas quem disse que devemos permanecer nesse nível? Na verdade, há anos o IPCC afirma que precisamos atingir o pico em 2030 (e é isso que obteremos em Paris), para, em seguida, começar a descer. Se a partir de 2030 as emissões caírem, zerando entre 2080-2090, então será possível chegar a 2°C.

Mas este pico não é um grande risco?

O risco existe, seguramente. O risco existe sempre que superamos um nível de concentrações atmosféricas maiores do que jamais vimos na história humana. Mas é um risco que permanece limitado, ainda, a algumas áreas do planeta. Não é ainda um problema de todas as nossas sociedades. É óbvio que teria sido preferível alcançar o pico em Copenhagueem 2009, mas não aconteceu. E não acontecerá totalmente nem mesmo em Paris, porque conseguiremos estabilizar e então diminuir as emissões somente em 2030. E é mais tarde do que teríamos preferido. No entanto, é um grande passo à frente, então não vamos jogar fora este resultado. Não é suficiente e, a partir de 2030, teremos de derrubar as emissões um pouco mais rapidamente. A esperança é que, com as tecnologias que seremos capazes de desenvolver nestes 15 anos, nós possamos fazê-lo a partir de 2030.

O papel do desenvolvimento tecnológico é, portanto, fundamental para reduzir as emissões a partir de 2030?

Especialmente nos países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, a redução já está acontecendo: a União Europeia comprometeu-se a reduzir 40% até 2030, os Estados Unidos 38%. É no nível agregado que não reduzimos, mas estabilizamos. Isto porque, nos países em desenvolvimento, ainda não temos tecnologia para fazê-lo a baixo custo. O que todos pensam é que, em 15 anos, seremos capazes de ter essa transferência de tecnologia. Mas há uma condição prévia: fortes investimentos em pesquisa, inovação e transferência de tecnologia. Coisas de que todos nós precisamos e que, esperamos, possam ser realizadas a partir de Paris.

Elisa Calliari, Milena Rettondini, Roberto Barbiero – Agência Jovem de Notícias