O Brasil pode dar um salto de desenvolvimento se aproveitar a farra de gasto público ocasionada pela crise econômica global para investir em três setores: reforma na Previdência, inovação tecnológica e… preservação ambiental.

Quem sugere essa receita inusitada não é um ambientalista maluco, mas sim um dos caciques do Banco Mundial, o economista indiano Vinod Thomas, 59.
Na semana passada, ele apresentou no Fórum Nacional, no Rio, uma análise sobre como os Brics (Brasil, China, Índia e Rússia) podem fazer frente às duas crises que se abatem ao mesmo tempo sobre o mundo, a financeira e a climática. E disse que o Brasil investe pouco ou investe errado justamente na área em que teria mais vantagem sobre os outros países: o uso sustentável de seus recursos naturais.

Leia a seguir a entrevista que Thomas concedeu à Folha na última quinta-feira (21), num hotel em São Paulo.

Folha – O sr. propõe que a resposta brasileira à crise seja baseada num tripé: reforma da Previdência, inovação tecnológica e uso da floresta. Como assim?

Vinod Thomas – Esta é uma crise que pode ser desdobrada em duas. Uma delas é a crise financeira. Há uma resposta financeira sem precedentes a essa crise, na forma de expansão fiscal. A segunda crise é o aquecimento global. Se permitirmos que se instale plenamente, será várias vezes maior que a crise financeira.

Os países têm agora uma oportunidade de investir a expansão fiscal de um jeito diferente. Muito raramente você consegue de 2% a 5% de aumento nos gastos fiscais em tempos normais. Hoje, essa expansão para 2009/2010, nos países do G20, é de 5% do PIB. Como isso será investido? Vai ser a mesma coisa de sempre?

Folha – Há diferenças fundamentais entre ambas as crises, não? A financeira é um problema da economia, e o aquecimento global se deve a fatores que não entram normalmente nos cálculos econômicos.

Thomas – A crise financeira que o Brasil, a Índia e a China enfrentam hoje é resultado da ação dos países industrializados. A crise do clima também é resultado primariamente da ação dos países industrializados no passado.

Folha – De volta ao Brasil…

Thomas – O Brasil está numa posição na qual pouquíssimos países estão hoje. Numa comparação entre os Brics, em três décadas, o Brasil teve taxas de crescimento modestas. A grande melhora do Brasil foi na distribuição de renda.

Se a crise tivesse batido no país há dez anos, ela seria muito, muito mais grave. Por que então eu digo que não basta cuidar da crise financeira? Quando os países saírem desta crise, haverá mais ganhos de eficiência em toda parte. É possível que a geração de empregos seja atingida gravemente por causa disso. Então, para ser competitivo, criar empregos e lidar com os efeitos climáticos, o Brasil tem uma oportunidade de revisar sua estratégia de crescimento.

O Brasil tem uma vantagem enorme em três áreas onde ele não está investindo ou está investindo mal. Veja a proporção entre gastos do governo em bens públicos divididos por bens privados, que incluem a Previdência.

Bens públicos incluem infraestrutura, educação, ambiente e coisas assim. Essa razão deveria ser alta, não baixa. O Brasil tem a razão mais baixa entre os Brics. O governo investe mais em coisas privadas -subsídios a capital, crédito dirigido, previdência e gastos burocráticos –do que em coisas públicas.

Em segundo lugar está a inovação. Em inovação, patentes ciência e tecnologia, o Brasil poderia ter uma vantagem, mas investe pouco.

Folha – Como mudar?

Thomas – O setor privado precisa embarcar, não o governo. O Brasil mostrou fagulhas na ciência e na indústria muito mais altas que na Índia. No setor aeronáutico, por exemplo. Mas é algo que não se dissemina, porque reflete a má distribuição da educação no passado.

A terceira é a área na qual o Brasil tem a maior força no mundo: recursos naturais. Não há dúvida de que esses recursos serão cada vez mais valorizados nos próximos 50 anos. O Brasil tem a razão mais favorável de terra, água e floresta per capita do que qualquer outro país, então deveria ser uma área na qual o país estivesse investindo, não destruindo! Mas essa área tem uma dificuldade: ela depende da valoração global de recursos como o carbono de florestas. E o mercado para isso não está desenvolvido.

Folha – A expressão “capital natural” pode se aplicar tanto a terras para agricultura quanto a florestas em pé. E, hoje, essas duas definições estão em conflito no Brasil.

Thomas – Se investir em terra significar destruir floresta, você ganha de um lado e perde do outro. Se a coisa fica só na mão dos agentes privados locais e não há direitos de propriedade, esses agentes explorarão a terra e destruirão a floresta. Se há direitos de propriedade e a valoração reflete o que o Brasil pode ganhar do global ao longo dos anos, o valor de cortar a floresta fica reduzido.

Há um cálculo comparando o valor de um hectare de pasto com um hectare de carbono: são US$ 200 contra US$ 10.000 por ano. A questão é: se é assim, por que não acontece? Um, porque os direitos de propriedade não são claros. Dois, há um conflito entre Estados e o país. Três, há um conflito entre o país e o global, porque o mercado global de commodities transfere imediatamente para o país o valor dos grãos e não reflete o valor da floresta.

Folha – Preservar é trocar dinheiro certo e saldo comercial positivo por uma possibilidade futura, não?

Thomas – Na velha mentalidade, você precisava eliminar a floresta para criar gado. Hoje nós temos evidências de que ambos podem coexistir em grandes extensões. Há exemplos na Amazônia colombiana. Mas, se a situação ficar como está, os ganhos futuros pela preservação da floresta serão muito reduzidos, e o Brasil jogará fora a maior carta que tem, que é a mesma que a Escandinávia tinha, para se desenvolver de maneira dramática.

Folha – Como funcionou lá? O Brasil poderia virar uma grande Suécia?

Thomas – O Brasil pode ser melhor que a Suécia, porque a Suécia tem uma fração da floresta que o Brasil tem. Mas o Brasil precisa de três coisas que a Escandinávia teve: um, práticas sustentáveis de extração de madeira; dois, investir os ganhos no aumento do valor agregado da cadeia produtiva.

A Nokia começou como uma empresa madeireira. E três uma mudança de pensamento, no sentido de achar que proteger florestas é desenvolvimento, em vez de pensar que você tem de eliminar os recursos naturais para se desenvolver.

Folha – Então, por essa lógica, o Ministério do Meio Ambiente deveria ser o que tem mais verba, não um dos que têm menos…

Thomas – Esse é o paradoxo. Recursos naturais, ambiente, água e até turismo deveriam ser áreas de reforço, onde você iria querer muito, muito mais investimento -tanto do governo quanto do setor privado.

Folha – O sr. critica no seu artigo um “retrocesso” na mudança de uma lei para permitir a pavimentação da BR-319, que corta uma extensa área preservada na Amazônia, sem estudo de impacto ambiental. A infraestrutura no Brasil ainda é feita com a mentalidade antiga?

Thomas – [pausa] Há espaço para fazer infraestrutura com sustentabilidade muito maior. Mas a questão é: qual país faz do jeito certo? A China faz? A Índia faz? Ninguém faz! É por isso que eu uso o termo “liderança”: o Brasil poderia ser líder em combinar infraestrutura com preservação ambiental.

Claudio Angelo
editor de Ciência da Folha de S.Paulo