Encerrada a greve dos Correios, depois de 28 dias de paralisação, sobraram 185 milhões de correspondências acumuladas e prejuízos incontáveis para milhões de brasileiros – além, é claro da perda estimada de R$ 20 milhões diários para a empresa. Esse episódio comprovou mais uma vez a necessidade urgente de uma adequada regulamentação do direito de greve nos serviços ou atividades essenciais, tal como determina a Constituição no parágrafo 1.º de seu artigo 9.º. O assunto permanece numa espécie de limbo legislativo, assim como o direito de greve dos servidores públicos.

Telecomunicações foram incluídas entre os serviços ou atividades essenciais pela Lei n.º 7.783/89. Correios obviamente fazem parte desse conjunto. Essa lei obriga empregados, trabalhadores e sindicatos a garantir, durante a greve, a prestação de “serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. Mas ela tem pelo menos duas graves lacunas.

Em primeiro lugar, a lei não determina como se deve realizar esse atendimento mínimo. Apenas atribui ao Poder Público a função de providenciar a prestação dos serviços no caso de inobservância daquela obrigação por empregadores, empregados e sindicatos. Em segundo lugar, o texto é muito restritivo ao definir as “necessidades inadiáveis da comunidade”. De acordo com o texto, uma necessidade só é inadiável se o seu não atendimento puser “em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.

Essa definição favorece os grevistas. Pode-se alegá-la para justificar a paralisação completa da atividade em muitos serviços classificados como essenciais. A própria noção de “essencial” fica um tanto vaga, porque nem todo serviço relacionado nessa rubrica responde a uma necessidade considerada inadiável. A paralisação da compensação bancária, por exemplo, incluída entre as atividades essenciais, põe em risco “a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”? Pode-se argumentar a favor de qualquer interpretação. Em casos-limite, a interrupção de uma transferência financeira pode, é claro, ameaçar a segurança ou a saúde de uma pessoa ou de um grupo de pessoas.

Mas não deveria ser preciso pensar em casos extremos para sustentar uma simples afirmação do bom senso: de fato, transportes, comunicações e compensações bancárias são essenciais e indispensáveis à vida normal e ao exercício de direitos básicos de milhões de pessoas, especialmente em sociedades complexas. Prejuízos causados por greves em serviços essenciais atingem muito mais que as empresas diretamente empregadoras.

Atrasos de pagamentos – para citar um exemplo muito comum – podem causar não só danos financeiros, mas também danos morais importantes, atingindo pessoas sem distinções econômicas ou de outras condições.

Não tem sentido sobrepor o direito de greve, essencial à democracia, a outros direitos igualmente relevantes ou, em muitos casos, de importância maior para a maioria das pessoas. Como saber se a interrupção de um serviço de transporte impedirá um transplante de órgão ou a continuidade de sessões de quimioterapia?

Já se perdeu muito tempo sem uma boa regulamentação das greves nos serviços ou atividades essenciais e no serviço público. Para se estabelecer uma boa regulamentação será preciso levar em conta, de forma equilibrada, tanto os interesses dos grevistas e dos empregadores quanto os direitos de todos os segmentos da sociedade.

A Lei 7.783 é claramente insuficiente para disciplinar o direito de greve nos serviços ou atividades essenciais. É preciso retomar esse trabalho, seja para produzir uma nova lei, seja para ampliar e aperfeiçoar aquela editada em 1989. É igualmente importante cuidar da greve no serviço público. Diante da omissão dos outros Poderes, o Judiciário já foi levado a fixar provisoriamente regras sobre o tema. Não basta repetir frases de efeito, como fez a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao criticar a malandríssima conversão da greve em férias. Governa-se com atos e não só com retórica.

 

 

Fonte: ESTADÃO