Governo brasileiro propõe que projetos de combate ao desmate não gerem créditos de carbono

Para Itamaraty, medida não incentivaria países compradores a seguir poluindo; para ONGs, desencorajaria proteção

Ana Carolina Amaral (Colaboração para a Folha, em Marrakech)

Uma das propostas da diplomacia brasileira na Conferência do Clima da ONU, a COP-22, para implementar o Acordo de Paris está causando desespero nas organizações ambientalistas no país.

O governo não quer que os projetos de combate ao desmatamento no país gerem créditos de carbono, que poderiam ser comprados por outros países que não fizeram o suficiente dentro de casa.

O mercado foi criado no Protocolo de Kyoto e permite que os países possam bater suas metas pagando pelos esforços feitos em países em desenvolvimento. Na época, só os países ricos tinham metas. Agora, com o Acordo de Paris, todos têm suas metas, definidas nacionalmente, e qualquer país poderá comprar ou vender créditos de carbono.

Para a regulamentação do mercado de carbono dentro do novo acordo climático, o Brasil propõe que as políticas de combate ao desmate não entrem no rol de atividades aptas a vender créditos.

Para ONGs que atuam no setor, a medida prejudica a proteção florestal no país ao tirar incentivos financeiros.

Para o governo, a injustiça é outra: o uso da preservação de florestas serviria como subterfúgio para que países ricos continuem emitindo.

Também há um argumento científico por trás do critério brasileiro de excluir as florestas dos créditos de carbono. Thelma Krug, matemática que ocupa umas das vice-presidências do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, explica que o critério evita uma inversão de responsabilidades sobre as mudanças do clima.

“Dado que as maiores emissões de gases de efeito estufa estão historicamente relacionadas à queima de combustíveis fósseis, e não ao desmatamento e ao uso da terrra, é no setor energético que devem se concentrar os esforços para manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 2 graus Celsius , diz, reforçando que a proteção florestal está condicionada à redução de emissões.

A distinção nas posições das ONGS brasileiras e do governo que negocia nas conferências climáticas gerou atrito em Marrakech, onde acontece a conferência.

Na segunda-feira, o debate tomou conta de uma reunião que ministros e diplomatas normalmente convocam para discutir sobre o avanço das negociações com todos os membros da delegação  – incluindo membros dos ministérios de Meio Ambiente, das Relações Exteriores e da Agricultura, parlamentares, empresários e representantes da sociedade civil.

O senador Jorge Viana (PT-AC) leu um documento, com assinatura de oito parlamentares e 14 organizações ambientais (como SOS Mata Atlântica e Imazon), que apela para que o governo reveja a proposta que traz à COP-22.

O Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam) é um dos signários do apelo e pioneiro na formulação de políticas que recompensam o sucesso no combate ao desmate, que viria a se chamar de  Redd (Reducação de Emissões por Desmatamento e Degradação). Para o diretor-executivo do Ipam, André Guimarães, faltou diálogo na formulação da proposta brasileira.

Fontes do governo contam que o espaço para esse debate estava estabelecido desde março, com a criação da Comissão Nacional para Redd, mas as ONGs relataram surpresa ao se deparar com a proposta do Itamaraty para a COP-22, que não teria sido discutida no país.

Como o Acordo de Paris tem até 2018 para ser regulamentado, não há a expectativa que esse critério seja definido ainda em Marrakech.

Texto publicado no dia 16 de novembro de 2016, no Jornal Folha de S. Paulo

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