Marcelo Furtado, diretor da ONG no Brasil, responde a leitores. Saiba de onde vêm os recursos e quais são os interesses dos ativistas.

Quando o assunto é Amazônia, os ativistas do Grenpeace não brincam. Eles já enfrentaram sojicultores enfurecidos, tentaram barrar o funcionamento de um porto, denunciaram a venda de madeira ilegal para a Europa e, no início do mês, mostraram para onde vão carne e o couro do gado criado em áreas desmatadas ilegalmente.

As ações polêmicas da ONG geraram muita curiosidade nos leitores do Globo Amazônia, que querem saber por que uma organização internacional está fazendo tanta coisa aqui no Brasil. Em uma entrevista interativa, com perguntas enviadas por leitores, o diretor da ONG no Brasil, Marcelo Furtado, conta o que o Greenpeace quer na Amazônia. Para atender ao maior número de leitores, muitas questões foram condensadas.

Antonio Jorge Silva Oliveira – De onde vem o dinheiro que financia as campanhas do Greenpeace?

Marcelo Furtado – Só de pessoas físicas. Temos esse princípio desde a nossa fundação, na década de 1970. Já fomos acusados, agora que lançamos o relatório Farra do Boi, de atuarmos pelo interesse da indústria pecuária europeia, ou dos países importadores de carne brasileira. Isso é uma balela, pois não recebemos financiamento de governos ou de empresas, não temos o rabo preso.

Jacinto – Qual o interesse do Greenpeace, uma ONG internacional, no Brasil?

Desde o começo, somos uma organização global que utiliza sua habilidade de fazer campanhas mundiais para evitar que, no Brasil, sejam repetidos os mesmos erros ambientais que foram feitos em outros países, e que no Brasil a gente possa fazer uma nova opção de desenvolvimento.

Uma das primeiras campanhas estabelecidas pelo Greenpeace no Brasil foi contra a poluição industrial. As indústrias poluentes [dos países desenvolvidos], ao invés de lidarem com seu resíduo tóxico, exportavam o lixo. Colocavam em um navio e mandavam para o terceiro mundo, e o Brasil fazia parte dessa rota. Nosso primeiro trabalho foi tentar evitar o comércio internacional de resíduos tóxicos e impedir que o Brasil fosse usado como lata de lixo dos países ricos.

O Greenpeace Brasil foi fundado na Eco 92, mas a organização já tinha presença na região com a abertura do escritório da Argentina, na década de 1980. Todo o grupo que atuava no Brasil era de brasileiros. Já em 1992, com relação às florestas, não dizíamos que a solução era colocar uma cerca e proteger. Para nós, a Amazônia sempre foi um misto de biodiversidade que incluía a população amazônica.

José Luiz Lazaron , Osmar, Vladimir – O Greenpeace também exige que os EUA e Europa replantem suas florestas? A pressão sobre o Brasil não é desproporcional à que é feita nos países desenvolvidos?

A discussão sobre mudanças climáticas é a nossa prioridade global. Nós olhamos para cada região e vemos quais são os vetores mais importantes que geram emissões. Por isso, na Europa o maior inimigo ambiental que temos está na área de energia: a geração de energia por carvão e queima de combustível fóssil. Aí está o nosso foco. Já na Indonésia, nossa campanha é totalmente concentrada na proteção de florestas tropicais, porque lá a maior contribuição para as mudanças climáticas é o desmatamento. No Brasil, também. As emissões por desmatamento significam 75% das nossas emissões.

Sirlene Gilberti – Régis Rodrigues Ribeiro – Arnado Malinski – O Greenpeace não se preocupa muito com a natureza e acaba deixando o ser humano de lado?

Nossa grande preocupação é integrar meio ambiente e ser humano, pois os dois habitam o mesmo planeta. Além disso, levamos em consideração o conceito da Justiça Ambiental. Hoje em dia, quem está pagando o maior pato dos problemas ambientais são as populações mais carentes e mais vulneráveis. Se olharmos o impacto das mudanças climáticas, veremos que a onda de calor que ocorreu na França chegou a matar milhares de pessoas. Nas inundações que aconteceram na Europa, muitas pessoas sofreram. Entretanto, o sofrimento de uma enchente em Bangladesh, ou aqui mesmo no Maranhão, é muito maior.

Arnado Malinski – Como o Greenpeace explica a utilização de um navio movido a combustível fóssil em suas atividades de defesa do meio ambiente?

Temos um barco à vela, um a motor e vela, e barcos movidos a combustível fóssil, como o Artic Sunrise, que veio para o Brasil. Ele nos permite fazer excursões ao Ártico e à região antártica. Esses locais de gelo permanente exigem um navio com a característica de quebra-gelo, que só existe motorizado, pois nessas regiões a navegação com vento é muito difícil.

Quando o barco veio para o Brasil, compensamos as emissões dele com a geração de energia limpa. Utilizamos os painéis solares instalados no nosso escritório no Brasil e injetamos energia limpa na rede [de energia elétrica].

José Donizete Storti – Por que é tão difícil de punir as pessoas que desmatam a Amazônia?

O estado está ausente na Amazônia. Não existe um sistema de governança que possa garantir o fim da ilegalidade, da impunidade. Essa ausência faz com que, ao invés de se criar uma cultura de justiça, se crie uma cultura de impunidade. E quando falo governança, não falo só em delegacia de polícia. Governança significa escola, hospital, significa o sujeito na Amazônia poder ter uma carteira de identidade, um posto de saúde.

Amadeu Luiz Alves Merighi, Gerson Teixeira Primo – O Exército não poderia ajudar a combater o desmatamento? Qual a posição do Greenpeace em relação a isso?

O combate do desmatamento não pode ter a responsabilidade focada no Exército, pois isso é um desafio para a sociedade e para o governo. Você combate o desmatamento não dando crédito, dando alternativas econômicas para a região e educação para as pessoas entenderem que a floresta vale mais em pé do que deitada.

Se você tiver um Brasil estruturado na região, não é necessário o desmatamento. Vão ser necessárias ações de comando e controle, com Ibama, Polícia Federal e eventualmente até a participação do Exército? Sim. Mas aí são momentos em que se coíbe o crime para mostrar ele não é tolerado na região.

Antonio Jorge Silva Oliveira, José Luiz de Lemos, José Luiz Lazaron , Sirlene Gilberti – As ações do Greenpeace na Amazônia não acabam prejudicando quem trabalha na terra?

Trabalhar na Amazônia não é o problema. Existem várias operações totalmente dentro da legalidade. Há até extração de madeira feita de maneira legal. O problema é que há operações ilegais que estão acabando com um patrimônio importantíssimo para o Brasil e para o mundo.

Dalmo Ribeiro do Val Marques – Por que o Greenpeace não investe mais em projetos que gerem renda sem destruir a florestas?

O DNA do Greenpeace é denunciar o problema e apontar as soluções. Existem outras organizações cujo trabalho é implementar os planos de solução. Nós nos focamos nisso porque tem pouca gente que faz isso. Nosso trabalho exige muita coragem, muito compromisso com a questão ambiental e social. E não é fácil, você se arrisca. No caso do trabalho que a gente faz na Amazônia, é risco de vida.

Nagila Alves Feitosa, Joas Luiz Dias – Como podemos ajudar na preservação da Amazônia, se moramos nas cidades?

A primeira delas é perguntar de onde vem o produto que você consome. Não comprar madeira ilegal, perguntar de onde vem o couro, de onde vem a carne. Outra coisa que se pode fazer é economizar energia e água. Toda vez que se faz essa economia, se evita a construção de novos projetos destrutivos. No Brasil, avaliamos que o potencial de economia de energia é de mais de 30%. Se estivéssemos usando a nossa energia melhor, poderíamos evitar projetos destrutivos como a hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia.

Jacinto – Como você age no seu cotidiano? O dia-a-dia das pessoas que militam no Greenpeace é condizente com o que eles pregam?

Na minha casa temos só um carro e resolvemos o resto com carona, transporte público ou a pé. Também colocamos um painel solar para aquecimento de água. Eu economizo com isso 30% da minha conta de energia. Madeira eu procuro de demolição, usada. Eu uso bastante transporte público na cidade, mesmo porque em São Paulo é muito melhor usar o transporte público do que ficar preso no trânsito no carro individual. E também economizo água e tenho lâmpadas eficientes.

Iberê Thenório Do Globo Amazônia, em São Paulo