A democracia é a base do bloco, e Lugo não teve defesa. Ganhos econômicos serão trazidos pela Venezuela ao Mercosul -um bloco econômico, não político. Luís Inácio Lucena Adams
O desdobramentodo processo de impeachment ocorrido no Paraguai e seus efeitos no contexto do Mercosul têm provocado controvérsia em torno de um direito comunitário sancionador (relativo às sanções).
Uma ordem internacional segura repele a identificação do direito comunitário com critérios de “soft law”, de direito sem sanção. Turbulências exigem ação e objetividade, tendo como panodefundo o compromisso democrático que anima nossa relação com nossos vizinhos.
Essa aproximação se funda no Tratado de Assunção, firme na consideração de que a integração constitui condição para aceleração do desenvolvimento econômico com justiça social.
O Tratado de Assunção não é documento isolado dos demais protocolos e acordos realizados no Mercosul, ainda que seja sua ordem normativa fundante.
Ele se desdobra em inúmeros outros ajustes supervenientes, a exemplo do Protocolo de Ushuaia, referente acompromisso democrático,quandose reiterou que a plena vigência das instituições democráticas seja condição indispensável para a existência e o desenvolvimento do Mercosul.
Por igual, outro protocolo firmado em Assunção tem a promoção e a proteção dos direitos humanos como compromisso central e condição para a democracia.
A permanente vigilância das regras do jogo democrático exige atenção para com o devido processo legal substantivo, no qual se garanta o contraditório e a ampla defesa.
O processo de impeachment ocorrido no Paraguai deu-se em velocidade inusitada -apenas 36 horas-, sem que ao presidente afastado se tenha permitido qualquer defesa.
Conduzido num ambiente de legalidade formal, o afastamento do presidente Lugo não respeitou sequer as garantias previstas na Constituição paraguaia, em especial no artigo 16, que cuida da inviolabilidade da defesa em juízo, eno artigo 17, que dispõe sobre a presunção de inocência e repudia condenações sem juízo prévio ou por tribunais ad hoc.
Isto sem falar que o Paraguai é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU desde 1954, cujos artigos 10 e 11 garantem o julgamento justo com direito de defesa. Essas garantias são tão fundamentais ao sistema democrático que no Brasil foram elevadas à condição de cláusula pétrea.
Por outro lado, comparar a solução paraguaia ao modelo parlamentarista é equívoco monumental.
Primeiro, porque o presidente paraguaio foi eleito pelo povo do Paraguai e não pelo parlamento. O respeito ao direito de defesa é o respeito à escolha democrática do povo.
Segundo, no parlamentarismo é dado a uma terceira parte (presidente ou rei) determinar que a desconfiança do parlamento seja confirmada pelo povo em eleições gerais, o que não ocorreu no Paraguai.
Assim, imperativa foi a aplicação da sanção prevista no artigo 5 do Protocolo de Ushuaia, com a suspensão do Paraguai.
Em consequência, as deliberações em curso que dependiam exclusivamente da manifestação do Paraguai passaram a vigorar no Mercosul. É o caso do ingresso da Venezuela, que já tinha a aprovação do Brasil, da Argentina e do Uruguai, faltando apenas a do Paraguai.
Não é demais lembrar que o Mercosul é um bloco econômico e não político, e a entrada da Venezuela representa um significativo ganho econômico.
Entendimento diferente é negar validade ao Protocolo de Ushuaia, que foi livremente pactuado, inclusive pelo Paraguai.
Apronta reação do Brasil ao açodado processo de impeachment ocorrido em país compromissário da defesa da democracia revela que somos, ao lado dos demais parceiros do continente, efetivamente compromissados com a preservação da ordem democrática no continente. Luís Inácio Lucena Adams, 47, é advogado-geral da União.

Fonte: Folha de São Paulo