O antigo regime do Brasil, excludente por natureza, não serve mais; o novo espírito é o da inclusão


A ASCENSÃO da base da pirâmide brasileira mudou o país. É um processo que está só começando, que ainda vai nos transformar muito mais e que gera enormes oportunidades.
O Brasil era na verdade uma parte muito pequena do Brasil. Havia uma massa enorme de brasileiros alienados da produção e do consumo que, agora, depois de 20 anos de estabilidade econômica e política, começam a se incorporar aos mercados de trabalho e de consumo.
É uma entrada triunfal, épica, transformadora, de milhões de pessoas na engrenagem econômica brasileira.
Ela exige celebração e cuidados. Se você não tiver uma estratégia para isso, pode se tornar a triste vítima de uma história de sucesso.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) promove nesta semana em São Paulo o Fórum para o Desenvolvimento da Base da Pirâmide na América Latina e Caribe. Escolheram o Brasil para sediar o evento justamente porque temos ainda relativamente pouco desenvolvimento de negócios focados nessa faixa da população.
No Brasil gigante adormecido era possível ignorá-la, centrando força nas grandes praças que abrangiam a esmagadora maioria das classes média e alta do país. Não mais. Muita gente anda descobrindo, na marra, que mercado ignorado é mercado dado ao seu concorrente.
E enquanto os mercados das classes média e alta no Brasil estão mais que mapeados e explorados, o mercado consumidor da baixa renda emergente apenas começa a ser enxergado.
Quem decifrar antes esse novo consumidor/produtor terá acesso privilegiado ao vetor de crescimento mais sustentável do país.
Mas decifrá-lo não será fácil se usarmos as medidas do antigo regime brasileiro, excludente por natureza. Elas não servem mais. O novo espírito é o da inclusão.
É preciso primeiro envolver esse novo cidadão consumidor na sua estratégia. Ela terá mais sucesso se ele não for apenas objeto da estratégia, mas sujeito. Envolva-o na sua cadeia de produção, principalmente na sua cadeia de inovação. Ele sabe, mais do que você, sobre o mercado que você quer atingir.
Imagine a contribuição que essa massa de brasileiros ex-excluídos pode dar aos negócios no país em empreendedorismo e em produtividade, sem falar na demanda por novos produtos e serviços.
Mas é fundamental deixar os preconceitos de lado. Eles não são o que você está pensando. São muito melhores. E mais exigentes.
Pense mais em escala do que em margem. E pense em qualidade. Baratear o produto reduzindo sua qualidade é fórmula certa para desastre, é adicionar insulto à injúria.
Barateie seu produto pensando na escala, inovando na produção e na distribuição, nunca reduzindo qualidade.
A emergência desses novos cidadãos econômicos não é um fenômeno brasileiro, mas global. Estima-se que mais de 3,5 bilhões de pessoas formem a base da pirâmide global ainda praticamente excluída das cadeias produtivas formais.
É a maior e mais sustentável fonte de consumidores, produtores e empreendedores do mundo, chamados de “os próximos bilhões”. Não é exagero dizer que o futuro da humanidade está diretamente ligado à forma com que esses bilhões de pessoas se acomodarão depois de emergirem social e economicamente.
Para envolver esses próximos bilhões é preciso entender suas necessidades, suas forças e suas fraquezas. Eles têm pouco dinheiro, então sabem usá-lo bem e fogem do risco.
Enfrentam dificuldades diárias nos ambientes doméstico e público, muitas vezes pagando caro por produtos de baixa qualidade. Têm pouco conhecimento como consumidores -por isso dão muito peso a recomendações daqueles em quem confiam ou a experimento de produtos.
Sobretudo, são pessoas muito dignas, que dão enorme valor ao que conseguem adquirir com o seu trabalho.
Engajar sua empresa no desenvolvimento desse novo mercado, dessas novas pessoas, é não só colocá-la na nova fronteira da economia global mas também torná-la capaz de promover desenvolvimento digno e sustentável no mundo que compartilhamos.

fonte: Folha de SP