Paloma Minke

Responsável por afetar cerca de 4% da população brasileira, sendo que 90% dos casos ocorrem em mulheres, os transtornos alimentares se caracterizam por qualquer comportamento no ato de se alimentar que causa prejuízos à saúde do indivíduo. Para debater o tema, auxiliar na identificação e nas formas de tratamento das principais patologias dessa natureza, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio da Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios (Codeagro) promoveu, no dia 13 de outubro de 2016, uma mesa redonda com especialistas nas áreas de Endocrinologia e Nutrição.
A ação faz parte da 23ª Semana da Alimentação, programação de atividades culturais e de entretenimento para todas as faixas etárias, com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância do consumo de alimentos saudáveis, provenientes especialmente da agricultura familiar paulista, oferecendo maior qualidade de vida e o apoio à cadeia produtiva.
De acordo com a médica endocrinologista Maria de Fátima Pallone, apesar de a anorexia e a bulimia serem os mais conhecidos na sociedade, há outros tipos de transtornos alimentares que acometem a população, causados por uma série de fatores genéticos e ambientais. “As primeiras manifestações, normalmente, podem ocorrer na infância e adolescência. Geralmente, elas têm um histórico de transtorno alimentar ou de humor na família, vivem em um ambiente autoritário ou negligente, são influenciadas pelo contexto da extrema valorização do corpo magro. Também pode ocorrer com aqueles que têm disfunção no metabolismo, baixa autoestima, introversão, instabilidade afetiva e ansiedade ou passaram por uma experiência sexual traumática”, relatou.
“Os transtornos são comuns na adolescência, pois é uma fase de formação da identidade, na qual todos querem ser aceitos por um grupo. Então muitos pensam que entre todos os problemas, a alimentação é algo que podem controlar, mas acabam desenvolvendo esses hábitos”, destacou Thais Reis de Leão, nutricionista do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria (Ambulin) do Hospital das Clínicas.
A anorexia, que é uma estrita restrição alimentar, pode estar associada ao uso de atividades físicas excessivas e de técnicas purgativas, ocasionando uma distorção da imagem do indivíduo, que se considera obeso. Entre os principais sintomas, estão a perda de peso, infecções, amenorreia (ausência da menstruação), baixo índice de potássio, arritmias cardíacas e suicídio, com índice de mortalidade 12 vezes maior do que as principais doenças que atingem as mulheres. “Há 80% de chances de uma mulher transmitir a anorexia aos filhos, não por fatores genéticos, mas sim pela convivência com este comportamento. No caso da bulimia, as chances de o filho ter a doença são de 45 a 55%, pelo mesmo motivo”, explicou a médica.
Já os pacientes diagnosticados com bulimia são os que, ao menos duas vezes por semana no período de três meses, ingerem uma grande quantidade de alimento em curto espaço de tempo e utilizam laxantes, diuréticos, prática de exercício em excesso e indução ao vômito para evitar o ganho de peso. A doença é silenciosa, pois a perda de peso não é significativa, o que torna o diagnóstico mais difícil. No entanto, orientam as especialistas, o isolamento do indivíduo, sangramentos no esôfago e halitose são sintomas que ajudam na identificação.
“Há ainda a hiperfagia, que é o aumento de consumo de alimentos e consequentemente de peso, normalmente desencadeada por algum trauma; a ortorexia, que é a obsessão por alimentos saudáveis; e a vigorexia, obsessão pelo corpo musculoso e atraente. O ato de ingerir substâncias não alimentares, como sabonete, terra, gesso, giz, cabelo é conhecido como síndrome de Pica; o transtorno de ruminação é mais comum em crianças e idosos que regurgitam involuntariamente o alimento e fazem novo processo de mastigação”, alerta Maria de Fátima. Outros transtornos são o Obsessivo Compulsivo (TOC) por alimentos, onde o indivíduo sente um alívio ao se alimentar; e o alimentar noturno, no qual normalmente o paciente faz dietas durante o dia e compensa a restrição de alimentos durante a noite.
“Uma vez diagnosticado, a meta é sempre restaurar o comportamento alimentar adequado, por isso é fundamental o tratamento com uma equipe multidisciplinar, formada por endocrinologista, nutricionista, psiquiatra e profissionais especialistas”, alertou Thais Reis.
A opinião foi reforçada pela nutricionista Fabyana Silva Francisco, que atua no Projeto em Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência (Protad), ligado ao Hospital das Clínicas. “É preciso haver uma parceria, a integração entre as especialidades para que os alimentos sejam reinseridos na dieta do paciente”, afirmou. De acordo com a especialista, os pais são essenciais no tratamento de transtornos alimentares de adolescentes. “Há casos em que o paciente chega tão desnutrido que tem a capacidade cognitiva comprometida, por isso o pai ou responsável é quem vai servir a alimentação recomendada, orientá-lo e incentivar a superar os desafios, especialmente no início do tratamento”, afirmou.
A nutricionista especializada em Nutrição Clínica Funcional Daniela Mazuco, que atende em consultório, afirma que de 80 a 90% dos pacientes buscam o tratamento para perder peso. “Muitos já consultaram a internet e vêm com todo um diagnóstico pronto, uma foto de alguém com quem quer ficar parecida, pedindo apenas para montar um cardápio para emagrecer. Mas é preciso ter em mente que comer saudável é comer bem, de tudo, mas com equilíbrio. O peso e o tônus são consequência da educação nutricional”, afirmou. “Precisamos refletir o quanto a sociedade nos impõe o que é correto. Antes de qualquer modificação física, é preciso pensar na sua rotina, nos seus hábitos, para evitar a formação de hábitos errados e, posteriormente, de um transtorno alimentar”, ponderou a especialista.
Em geral, 20% dos tratamentos apresentam resultados; há a regressão de sintomas em 60% deles e a desistência de 35% dos pacientes, devido aos efeitos colaterais. Com o uso da psicoterapia, há sucesso em 39% dos casos tratados. “Não há um período para que o paciente tenha alta, depende do histórico, gravidade, idade etc. Porém, alguns cuidados deverão ser mantidos para o resto da vida, como por exemplo, nunca pular refeições e não criar restrições de alimentos”, disse Fabyana.
A nutricionista equatoriana Ana Arellano acompanhou o debate com grande interesse. “No Equador, o tratamento de transtornos alimentares ainda não é tão avançado, pois não há a atuação conjunta entre médicos, nutricionistas e psicólogos. Ainda é um campo a ser explorado, por isso achei o debate muito interessante”, afirmou a profissional, que pretende cursas doutorado em gastroenterologia no Brasil.
“Acho importante ter um conhecimento de todas as áreas da minha profissão. Recentemente, comecei a fazer atendimentos, então essas orientações podem me ajudar a identificar casos de transtornos alimentares”, disse a nutricionista Mariana Secco.
“Inicialmente, queria ingressar na área esportiva, mas ao conviver com os pacientes, resolvi me especializar neste tipo de atendimento. Quero ajudar pessoas a superarem os traumas, por isso a mesa redonda trouxe vários conhecimentos e experiências de quem já lida com isso”, avaliou a nutricionista Cássia Felício.
Para o titular da Codeagro, Michel Reche Beraldo, “a atividade promovida pela Secretaria tem como objetivo promover a segurança alimentar tanto na etapa da produção como no consumo”.
“Garantir a saudabilidade dos alimentos é uma das diretrizes do governador Geraldo Alckmin para a Pasta, assim como aproximar a sociedade do conhecimento gerado pela pesquisa, missões que estamos cumprindo ao promover o debate deste tema tão importante para melhorar a qualidade de vida da população”, afirmou o secretário de Agricultura e Abastecimento, Arnaldo Jardim.

Foto: João Luiz