SÃO PAULO pode parar, como quase parou anteontem. E parará cada vez mais, pois não há previsão de que refluam os fatores, em crescimento contínuo, que contribuíram para as insuficiências múltiplas de sua infraestrutura.

Do aumento da frota de veículos à impermeabilização do solo, a Grande São Paulo avança com passo firme para o impasse urbanístico. O carro particular se tornou opção quase obrigatória, para quem tem renda suficiente, diante da rede precária e cada vez mais sobrecarregada de transportes de massa. A tolerância das autoridades com as diversas formas de burlar o uso legal do solo, além de contribuir para dificultar ainda mais a drenagem das águas, expõe famílias inteiras ao risco de morte em desabamentos e deslizamentos de terra.

À parte essas questões estruturais, há a política nossa de cada dia. O que se viu na terça foram artérias urbanas -ruas e rios- entupidas por toneladas de lixo; se já não foi efeito do corte de 20% determinado pela prefeitura nas verbas de varrição e coleta, imagine-se o que as espera no final de ano chuvoso. Em contraste, os recursos previstos para propaganda da gestão Gilberto Kassab (DEM) aumentaram 134% em relação a 2008. Para ensombrecer mais o horizonte, começa a entrar em cena o aquecimento global.

O aumento da temperatura média da atmosfera da Terra, por si só, garante energia extra para alimentar tormentas. Massas de ar mais aquecidas que o normal encontram massas frias vindas dos polos e, na zona de choque, formam ventos e nuvens de tempestade mais poderosos. Mesmo não sendo possível atribuir o desastre desta semana à mudança do clima, prevê-se como certo que eventos assim se tornarão mais frequentes. A mudança climática não afetará da mesma maneira todas as regiões do Brasil, indicam estudos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Norte e Nordeste devem ter redução de precipitação. Sudeste e Sul -as áreas castigadas anteontem e aquelas com os maiores aglomerados urbanos- observariam um aumento de episódios extremos de chuva.

Governo do Estado e prefeitura têm investido em obras contra enchentes, embora os gastos com os piscinões neste ano estejam muito aquém do previsto. A legislação municipal paulistana também recomenda que construções novas tenham áreas para infiltração de água e para coleta de chuva. As iniciativas, ainda que no sentido correto, mal dão conta do crescimento vegetativo da impermeabilização do solo -que de resto contribui ainda para o efeito “ilha de calor”, aquecimento típico das grandes cidades de concreto. As inundações de São Paulo constituem apenas um indicador sugestivo da obrigação que os governos dos três níveis de administração estão procrastinando: detalhar e adotar planos de adaptação da infraestrutura para enfrentar as contingências do aquecimento global.

Folha de São Paulo