Desmatamento na AmazôniaSe até 2100 a temperatura aumentar 5C e forem desmatados 60% da floresta amazônica na América do Sul, a savana crescerá 215,6% na região. Neste mesmo cenário, somente 44,2% da floresta destruída conseguirá se regenerar.

Já num cenário um pouco mais otimista, em que a temperatura sobe até 3C e o desmatamento é de 40% até 2050, a savana se amplia em 170% e apenas 66,2% da área desflorestada pode voltar a brotar.

Os cálculos, que acabam de ser finalizados, integram um estudo inédito do grupo liderado pelo climatologista Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Pela primeira vez, cientistas do Brasil avaliaram os efeitos conjuntos do desmatamento e do aquecimento global para a Amazônia.

A pesquisa, feita usando modelos computacionais, mostra que a combinação desses dois fatores nas próximas décadas pode levar à savanização da Amazônia e à perda “catastrófica” de espécies.

Este último cenário, o “otimista”, está longe de ser ficção: uma elevação de 3C na temperatura da Terra até 2100 é a previsão do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas. E um modelo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) estima em mais de 40% o desmatamento nas próximas décadas se o desgoverno sobre a Amazônia continuar.

Após o desmatamento, explica Nobre, se não houvesse nenhum impacto, a floresta poderia crescer e ocupar novamente a área desmatada. “Como o clima muda, a floresta não consegue mais voltar onde o clima ficou mais seco”, diz.

No primeiro caso, o clima muda em 66% da floresta, a tal ponto que não é mais possível manter o ecossistema original.

“Aquelas áreas que foram perdendo floresta foram ganhando savana”, afirma. Só que a savana que surge onde antes era floresta é pobre em espécies.

Outro fator importante é que a escala de tempo normal para a migração de ecossistemas é de séculos a milênios, ou seja, a adaptação ocorre de forma mais lenta que as alterações induzidas pelo desmatamento e pela mudança do clima.

Assim, esses fatores conjuntos têm o potencial de impactar profundamente a diversidade de espécies de plantas e animais numa das regiões mais biodiversas do planeta.

Em 1991, Nobre e seu colega Marcos Oyama publicaram o primeiro artigo sobre a savanização na Amazônia, levando em conta só o desmatamento.

O principal risco para a floresta da combinação dos efeitos de desmatamento e aquecimento é a maior sensibilidade da Amazônia a incêndios –algo com o que a floresta tropical não está acostumada e principal indutor de savanização.

Inflamável

“Quando você tem aquecimento global, tem secas mais intensas, mais fogo. E se você tem desmatamento, você aumenta a temperatura, diminui a chuva, tem mais seca e mais fogo”, afirma Nobre.

“Antes, se ocorria uma descarga elétrica e a floresta pegava fogo, o incêndio ficava circunscrito a algumas dezenas de metros, pois a vegetação é tão úmida que o fogo não se propaga. Mas, na medida em que a exploração de madeira cria buracos, abrem-se estradas e a floresta vai ficando mais ‘ralinha’, ela se torna mais suscetível.”

Segundo Nobre, esse estudo representa uma primeira análise. “É ainda muito simplificado, mas serve para abrir as portas e mostrar que precisamos de análises mais realistas.”

Segundo ele, o novo supercomputador do Inpe ajudará nesse trabalho. “Este novo supercomputador vai nos permitir fazer simulações matemáticas em que nós vamos colocar todos esses fatores juntos.”

Para Nobre, “a cereja do bolo” é conseguir ligar seus modelos físicos a modelos de dinâmica do uso da terra. Esse é um dos objetivos do recém-criado Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Inpe.

Fonte:  Folha de S.Paulo

Foto: Ana Cotta