Investidores buscam refúgio da moeda suíça, que se valoriza muito, mas afeta exportações e o turismo, o que traz série de inquietações

Ao procurar o refúgio no franco suíço, os investidores globais provocaram uma disparada no valor da moeda. Mas a rápida valorização do franco afeta de maneira significativa o setor de exportações e o de turismo do país, trazendo sérias preocupações quanto ao futuro.

A crise financeira global finalmente chegou a um pequeno vale da Suíça. Quando Hans Stadelmann comenta sobre os especuladores financeiros, parece que há dois mundos colidindo.

De um lado está Stadelmann, 44 anos, dono de uma pequena queijaria, onde se sente no ar o cheiro dos queijos do Appenzell. Cinco homens trabalham nas caldeiras, fabricando o mais popular queijo suíço na Alemanha, produzido segundo uma receita tradicional que passa de mão em mão há séculos.

Do outro lado temos os mercados financeiros internacionais, esta entidade global abstrata cujos participantes decidiram que o franco suíço é um investimento seguro e, assim, levaram o valor da moeda a um patamar recorde frente ao dólar e o euro. Há um ano um euro valia 1,35 francos suíços. Há duas semanas, o valor era de um para um.

E isso é um problema para Hans Stadelmann. Cerca de 40% dos seus produtos são exportados, a maior parte para países da União Europeia.

Para manter o mesmo nível de receitas em franco, ele é obrigado a cobrar preços mais altos em euros – e nem todos os clientes se dispõem a pagar.

“Já estou vendendo menos e temo que as coisas piorem”, diz o queijeiro.

Ele não esta preocupado apenas com sua empresa. “Compro leite de 50 pequenas propriedades familiares”, diz ele. “Se fechar a fábrica, estarei acabando com o meio de vida de 50 famílias”.

Queijo importado. Stadelmann sente-se impotente diante dos mercados. Ele sabe disso e fica ainda mais preocupado. Investidores de todo mundo estão buscando refúgio seguro no franco suíço e o setor exportador do país está pagando o preço. As exportações suíças declinaram em quatro bilhões de francos (cerca de US$ 5 bilhões) em junho, e as exportações para a União Europeia, a mais importante parceira comercial da Suíça, caíram quase 15%.

Mesmo os consumidores suíços mostram-se impiedosos. Como os produtos importados ficaram mais baratos, eles estão comprando até queijo estrangeiro. Mesmo qualificando os queijos importados da Holanda e da Alemanha como “borrachentos”, Stadelmann não consegue esconder como está preocupado com a sua indústria.

Naturalmente, é difícil levar as queixas dos suíços a sério, em especial porque elas partem de um dos países mais prósperos do mundo. A sua produção econômica per capita é de aproximadamente 73.000 francos suíços, a dívida nacional equivale a apenas 38,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa de desemprego é de somente 3%.

Mas os suíços temem o fim dessa história de sucesso. No ano passado, o franco valorizou 20% frente ao euro.

“Com uma valorização de 2% a 5%, as empresas exportadoras podem naufragar, e elas sabem disso”, diz Jan-Egbert Sturm, pesquisador no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique. “Mas o que está ocorrendo agora é realmente péssimo”.

Patamar. A economia da Suíça não conseguiria fazer frente aos fatos se o euro caísse abaixo de 1,1 franco, disse Sturm. Por esta razão, o Banco Central Suíço tentou manter a moeda num patamar razoável, inundando o mercado de dinheiro novo e, desse modo, houve uma desvalorização da moeda.

Atacadistas sentem o aperto Stadelmann, o fabricante de queijos, se beneficia dos altos subsídios ao leite e dos contratos de fornecimento de longo prazo com seus atacadistas. Mas os temores são ainda maiores nesse nível, a etapa seguinte na cadeia de suprimento. “É uma questão de sobrevivência”, diz Josef Hardegger.

“Estamos profundamente no vermelho.” A empresa de Hardegger exporta 8 mil toneladas de queijo suíço por ano e emprega aproximadamente 100 pessoas. “No último ano e meio, meus parceiros comerciais só queriam falar de preços”, lamenta Hardegger. Depois de cada vez que ele negociava preços novos com seus revendedores e supermercados na zona do euro, o euro caía em valor ante o franco, reduzindo ainda mais as margens de lucro. “Eu ficaria feliz se a taxa de câmbio frente ao euro pudesse permanecer inalterada por alguns meses”, diz ele.

Refrigerantes. Essa incerteza também afetou a Rivella, a produtora suíça de refrigerantes. A companhia vende 20% de seus produtos no exterior. Três anos atrás, ela decidiu focar mais pesadamente no mercado da Alemanha, sua vizinha do norte. Por enquanto, as bebidas da Rivella só chegam a algumas cidades alemãs, mas a empresa quer colocá-las gradualmente nas prateleiras de todo o país. “Temos um plano para muitos anos”, diz Axel Kuhn, encarregado de mercados internacionais na Rivella.

Mas a valorização do franco complicou esse plano. Apesar de quase todas as despesas da companhia serem pagas em francos, a receita de vizinhos da Suíça chegariam em euros, mais fracos. Se o franco permanecer forte, diz Kuhn, os preços teriam de ser aumentados. Mas a 1,29 a 1,45 por litro, os refrigerantes da Rivella já estão entre os mais caros do mercado.

Algumas grandes empresas suíças estão pensando em resolver o problema mudando sua produção para o exterior.

Mas essa não é uma opção para a Rivella porque poderia ferir sua imagem. “De certa maneira” explica Kuhn, “um pedaço da Rivella pertence a cada suíço.” A maioria dos suíços cresceu com o refrigerante, e, em média, eles bebem 10 litros por ano.

Um golpe no turismo. A valorização do franco também prejudicou a indústria suíça do turismo. Evidentemente, o país sempre foi um local caro para férias, mas ele está correndo o risco de se tornar um lugar apenas para os muito ricos. Os negócios caíram cerca de 5%, diz Jürg Schmid da Federação Suíça de Turismo. As coisas poderão ficar ainda piores neste inverno porque até agora o setor tem se beneficiado de reservas muito antecipadas.

“Os resorts de esqui provavelmente terão tempos mais duros que nós”, diz Marcel Perren, o diretor de turismo da cidade de Lucerna. “Mas não podermos fazer mágica”, diz ele. “Os preços para hóspedes provenientes da zona do euro subiram 20%, e não há nada que possamos fazer.”

Enquanto isso, jantar em um restaurante em Lucerna pode facilmente custar 50 por pessoa, ou duas vezes mais que na Alemanha. Esses preços provocaram uma diminuição do número de turistas alemães que vem a Lucerna. Em comparação com 2010, o número de alemães que passa a noite na cidade caiu quase 10%. O número de visitantes italianos caiu cerca de 12%.

Mesmo assim, Lucerna tem conseguido compensar parte desses prejuízos porque ficou mais popular para turistas asiáticos. Aliás, a inundação de turistas da China, Tailândia e Índia transformou sua indústria de turismo.

Os turistas asiáticos ficam em hotéis de uma e ou duas estrelas e gastam menos dinheiro em restaurantes, mas compensam isso com os produtos de luxo que levam para casa para seus parentes.

Heidi Vogt, uma guia de turismo na cidade, também notou a mudança. “Menos pessoas estão vindo de Itália e Inglaterra”, diz ela. Embora ela tenha três colegas em sua equipe que falam chinês, elas notaram uma queda no números de tours reservados. “Os chineses trazem seus próprios guias com eles”, afirma Vogt. TRADUÇÃO: CELSO PACIORNIK e TEREZINHA MARTINO

 

Fonte: ESTADÃO