Sem sombra de dúvida, The Who é uma das mais lendárias  bandas de todos os tempos. A coleção de clássicos coloca-os diretamente entre os maiores e a imagem emblemática é quase tão famosa quanto a língua dos Rolling Stones. Seu vocalista, Roger Daltrey, foi a Cannes para conversar com Harvey Goldsmith, outro gigante do mundo dos shows, promotor do Live Aid e de turnês e shows de quase qualquer banda  que já teve sucesso. Juntos, encantaram o auditório com histórias dos velhos tempos, os anos de 1960, quando ambos começavam suas respectivas carreiras e visavam também o futuro da indústria.

Sem tirar nenhum mérito da parte musical, Daltrey reconheceu que The Who acabou sendo algo tão grande e famoso porque sempre estiveram cercados de pessoas com um fantástico senso de promoção. Começando pelo próprio Pete Townshed, guitarrista, compositor e líder absoluto. “Pete estava muito atento à forma como poderíamos fazer divulgação”, disse Daltrey.

Como a categoria de “malvados de cabelo comprido” já estava ocupada pelos Rolling Stones, os caras do The Who basearam-se em outros diferenciais. Uniram-se ao movimento mod, que surgiu naqueles anos, e começaram a vangloriar-se de serem mais feios que os Stones, sem esquecer que, além disso, ao final de cada show, destroçavam todos os seus instrumentos. “Tristemente, isso foi interpretado por um jornalista imbecil como algo exclusivamente visual. E não era apenas pelo visual, que era possivelmente uns 25%, mas sim que o fazíamos pelo ruído que gerava. Estávamos criando um som e era como fazer um sacrifício musical”.

Os truques promocionais positivos foram, desde então, uma constante na trajetória dos membros do The Who, e Daltrey e Goldsmith lembraram-se de um bom número deles: o conceito de ópera rock que desenvolveram em “Tommy”, sua turnê nos auditórios nos quais apenas música clássica era tocada, a forma de incorporar a Union Jack (bandeira inglesa) a sua imagem, os lendários pôsteres com o lema “máximo do R&B”… Peças da cultura popular do século XX que perduram até agora, pois, como disse Daltrey, “quando se consegue fazer algo bom, isso é eterno”.

Apesar do politicamente incorreto de sua proposta, The Who também foi uma das primeiras bandas envolvidas em temas sociais, “para melhorar um pouco as coisas, eu nunca quis mudar o mundo”. Daltrey afirma com sinceridade que, com esses atos caridosos, “não vi resultados de nenhum tipo”. Sem contar o Teenage Cancer Trust, uma associação com a qual The Who colabora há 10 anos e que terá, no final do ano, unidades em 60 hospitais em todo o Reino Unido.

A conversa foi finalizada lançando-se um olhar ao presente e ao futuro da indústria musical, destruída segundo Daltrey, no momento que as gravadoras substituíram o vinil pelo CD. “Em um vinil, a música era 60%, e os outros 40% eram a embalagem, as fotos, o design… E isso não pode ser feito com um CD, em que tudo é pequeno, não é possível ler as letras, por que motivo alguém não faria o download em vez de comprá-lo?”. O vinil, não obstante, parece ressurgir da morte, ainda que timidamente, por exemplo, já é a terceira parte das vendas de alguma loja em Los Angeles (EUA).

Vestidos como nos anos 80, Goldsmith lembrou-se da origem do festival Live Aid; o empenho de Bob Geldof conseguiu convencer todo o mundo e criou, do nada, um evento global. A cadeia BBC comprometeu-se, por exemplo, a fazer uma transmissão televisiva de 16 horas, algo que nunca tinha sido feito antes, sem ter nenhum artista sequer confirmado!

Para a alegria de todos os reunidos na sala Debussy do Palácio de Festivais de Cannes, Daltrey pegou uma guitarra no final da conversa e interpretou “Who are you” e o sucesso de Johnny Cash, “Ring of fire”.

Juanjo Montanary – Especial para o Terra
Direto de Cannes