Por que não utilizar na pesquisa médica os mesmos instrumentos que formaram a bolha da habitação?

“Você vai precisar de um barco maior”, diz o chefe de polícia interpretado por Roy Scheider em “Tubarão”, quando ele vê o animal pela primeira vez. Diante do câncer, do diabetes e do alzheimer, precisamos de um veículo de investimento maio


À medida que a expectativa de vida cresce e as mortes causadas por enfermidades como as doenças cardíacas caem, os desafios que as companhias do setor de saúde enfrentam se tornam maiores e mais complicados. Mas os investidores se preocupam cada vez mais com o dinheiro perdido na busca de novos medicamentos. 

Patentes sobre remédios cardíacos de sucesso como o Lipitor, da Pfizer, e o Plavix, da Sanofi, estão por expirar, e não há sinais de que o setor conseguirá substitui-las.

O setor de capital para empreendimentos reduziu seu investimento na biotecnologia, por falta de retorno, e o investimento público em pesquisa de saúde está sob pressão nos EUA e em outras economias ricas.

Talvez seja hora de pensar no impensável: se os investidores privados já não querem sustentar a pesquisa médica, é preciso encontrar quem os substitua.

Andrew Lo, professor de Finanças no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), diz que isso poderia envolver o recurso ao mercado de títulos de dívida, por meio de Obrigações de Dívida Caucionada (CDOs, na sigla em inglês).

A ideia parece extravagante, dado o papel dos títulos caucionados na formação da bolha da habitação e o fato de que os projetos de pesquisa -os ativos que serviriam como caução, de acordo com a proposta de Lo- começam com receita zero. Mas o setor farmacêutico está há uma década tentando encontrar ideia melhor sem sucesso. Portanto, por que não tentar?

Dinheiro novo é necessário para as pesquisas de primeiro estágio-aquelas nas quais possíveis novos medicamentos são identificados antes de serem desenvolvidos e submetidos a testes clínicos. O setor de capital para empreendimentos deixou o segmento de lado devido à queda no número de empresas iniciantes que conseguiram chegar ao estágio de abertura de capital. O investimento das companhias norte-americanas de capital para empreendimentos em biotecnologia caiu 43% no primeiro trimestre.
O investidor está se comportando de modo racional -os retornos sobre a pesquisa vêm sendo modestos desde a era dos medicamentos de grande sucesso dos anos 1990.

O índice de insucesso de remédios novos em testes clínicos vem subindo firmemente, e os esforços dos fabricantes de medicamentos para aumentar a produtividade -por exemplo, ao adotar modelos de pesquisa mais parecidos com os das empresas iniciantes de biotecnologia- não ajudaram muito.
Para a sociedade, porém, o resultado é desastroso. A ciência genética se tornou tão complexa que muitas pesquisas caras são necessárias para identificar tratamentos para doenças como o mal de Alzheimer. Mas investidores podem ganhar mais aplicando em outros setores.

A ideia do professor Lo é atrair investidores em títulos de dívida que se satisfariam com retornos menores, mas firmes, e fazer com que o investimento se vincule a projetos específicos de pesquisa, e não a empresas. Mesmo que a maioria dos projetos fracasse, aqueles que obtivessem sucesso bastariam para bancar a remuneração dos CDOs.

A bolha da habitação terminou mal, mas provou, de acordo com Lo, que, “ao usar técnicas de engenharia financeira, é possível criar grandes fundos de capital”.

A perspectiva é atraente, não só para um setor que precisa de ajuda mas também para o segmento de crédito estruturado. A bolha da habitação conferiu aos CDOs e à engenharia financeira uma reputação merecidamente negativa. Se as mesmas técnicas fossem usadas para ajudar na pesquisa médica, Wall Street poderia melhorar sua imagem.

Há o risco de uma repetição do colapso na habitação e de atrair dinheiro para ideias ruins, o que resultaria em prejuízos bilionários para os investidores. Mas isso seria melhor que a alternativa: uma lenta deriva rumo ao investimento insuficiente em pesquisa de saúde. Como diz o professor Lo, “se surgir uma bolha do câncer, é algo com que posso conviver”.

JOHN GAPPER é editor-associado e colunista do “Financial Times”, jornal em que este artigo foi publicado originalmente.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Folha de S.Paulo
06/05/2012