Minczuk vs. o coro dos contrários
RESUMO
O maestro Roberto Minczuk, titular da Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio de Janeiro, responde às críticas dos músicos da OSB, que rejeitam os planos de reestruturação da instituição. A crise ganhou ressonância internacional e levou a demissões e ao cancelamento de importantes concertos previstos para a temporada de 2011.
PAULO WERNECK
À frente da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) desde 2005, o maestro Roberto Minczuk, 41, enfrenta aquela que talvez seja a maior prova de fogo de uma carreira internacional brilhante. Após uma intensa mobilização dos músicos da orquestra contra seus planos de reestruturação, Minczuk viu na semana passada alguns dos maiores nomes da música erudita brasileira, como o pianista Nelson Freire, cancelarem suas participações em concertos da OSB. A bailarina Ana Botafogo também se recusou a participar de uma apresentação.
Os músicos não aceitam as avaliações de desempenho promovidas por Minczuk, entre outras medidas. O confronto culminou com a demissão de 32 deles por justa causa, na semana passada, e põe em xeque o projeto de modernização da OSB.
Na entrevista a seguir, que Minczuk concedeu num restaurante no Leblon, na zona sul do Rio, o maestro defende a cultura de rigor que pretende implantar e dá sua versão para a polêmica.
Leia a íntegra em folha.com/ilustrissima.
Folha – Como o sr. vê a repercussão das manifestações dos músicos da OSB contra as audições de avaliação que quer realizar? Roberto Minczuk – Existe um discurso que é muito emocional da parte dos músicos que não querem participar desse projeto, que não é só uma avaliação de desempenho, mas algo muito maior, muito mais abrangente. É um projeto artístico e também administrativo, que envolve um novo contrato, uma nova proposta, um novo regimento interno, por meio do qual os músicos da OSB terão uma das maiores remunerações de músico do país e da América Latina, com salários competitivos em termos internacionais. Poucas orquestras, até europeias, pagam o que a OSB está propondo para os seus músicos: remuneração de ?R$ 9.300 a R$ 11 mil. A temporada da orquestra passará a ter mais programas. A semana de trabalho, que hoje, no máximo, exige 21 horas, ou seja, até sete funções de três horas cada, passará a ter até nove funções, ou seja, 27 horas semanais, com a possibilidade de ensaios à tarde -algo que a OSB nunca praticou. A temporada incluirá música de câmara como parte da programação. O novo regimento interno também prevê gravações de CDs e DVDs.
O sr. participou da Osesp, tem uma história de sucesso, um alto padrão de atuação internacional. Por que os músicos não embarcaram no seu projeto?
É uma situação natural em toda orquestra. Mas é mais sério aqui, porque existe uma história de confronto na OSB: os últimos quatro regentes foram praticamente tirados pelos músicos, inclusive o maior regente que o país já teve, que foi o maestro Eleazar de Carvalho (1912-66). Essa resistência acaba sendo um fator limitador no avanço, principalmente da qualidade. Uma viagem a Campos do Jordão é um dilema para a OSB, como aconteceu no ano passado.
Por quê?
Um mês antes da apresentação, a orquestra fez uma votação e decidiu que não queria ir ao Festival de Campos do Jordão. Porque não tinha hotel cinco estrelas.
Existe votação em orquestra?
Fizeram uma votação contra as avaliações.
Como foi?
Não compensa contar em detalhes. Mas simplesmente fazem uma votação aberta e decidem, e tomam uma posição, muitas vezes uma posição radical, de confronto.
Como acontece a discussão?
A orquestra, pelo estatuto, tem uma comissão que a representa, e essa comissão tem caráter consultivo. Então, os músicos disseram que, segundo o estatuto da orquestra, eles teriam de ser consultados a respeito das avaliações e não foram. Isso não é verdade. O caráter da comissão é consultivo. Em muitos assuntos, evidentemente, todos estão diretamente envolvidos. Outros são assuntos de administração.
A avaliação de desempenho é semelhante a um ritual acadêmico, uma banca de doutorado?
É semelhante. Na minha gestão, eu trouxe músicos como convidados da orquestra. Músicos de notório saber, excelentes, que ingressaram a meu convite, porque a posição estava aberta.
Por contrato, eu posso indicar os spallas [primeiros violinos] da orquestra. Um dos spallas foi indicação minha. Quando eu trouxe o Pablo de León -que é reconhecidamente um dos maiores violinistas do Brasil-, apesar do talento, de ser reconhecido e tudo o mais, houve reclamação da orquestra.
Isso foi quando?
No final de 2009. O músico já estava tocando fazia seis meses. E uma das coisas que foram levantadas: “Mas maestro, nós achamos que até o spalla teria de fazer uma audição, um concurso”. E eu falei para os músicos: “Bom, então nós temos de regularizar isso, porque, assim como o spalla não fez, temos outros casos de músicos que não passaram por audição. Temos de regularizar essa situação”.
O argumento é de que a intenção não seria regularizar situações como a de León, mas demitir
. Mas nós deixamos muito claro [que não era para demitir], desde o início, desde as primeiras comunicações. Em todas as reuniões, entrevistas, em todos os comunicados, isso sempre ficou muito claro.
Antes de 2010, houve demissões?
Houve. Outro motivo para a escolha das avaliações por parte do conselho foi o de que, depois de um ano e meio trabalhando com a orquestra, nós desligamos 14 músicos da orquestra. Músicos que realmente não acompanhavam o nível. E, quando aconteceram esses desligamentos, uma das reclamações da própria orquestra era: “Esses músicos não tiveram nem a oportunidade de fazer uma avaliação”.
A avaliação era uma reivindicação dos músicos?
Não é que sempre foi. Naquele momento, eles utilizaram esse argumento. Tanto músicos da orquestra como pessoas de fora, que comentaram e criticaram o que foi feito, utilizaram esse argumento. Mais um motivo para que as avaliações fossem feitas. Orquestras norte-americanas, europeias, implementaram padrões de excelência muitos anos atrás. Nas orquestras alemãs, por exemplo, existe um nível de cobrança de colega a colega que simplesmente não existe no Brasil.
Como a OSB se situa entre as orquestras brasileiras?
Com o surgimento de orquestras como a Osesp e a Filarmônica de Minas Gerais, a OSB tem a vocação de ser uma das principais orquestras deste país, da América Latina. Foi uma das mais tradicionais, pioneira. Eu já ouvi muita gente falar: “Ah, mas a orquestra já está boa”. Mas tem passos importantes a serem dados. Precisa crescer, precisa se aperfeiçoar, a afinação tem de ser melhor. Não é só tocar com garra, com paixão, mas com perfeição técnica, com domínio dos estilos.
A orquestra não estava acostumada ao rigor, às cobranças dos próprios músicos, do maestro, da crítica?
Acho que existe, no Brasil, uma tendência ao comodismo. Você tem de criar desafios. Tocar no Rio e depois tocar na Sala São Paulo, praticamente para o mesmo público que ouve a Osesp semanalmente, é um desafio para a orquestra.
A entrada de músicos de alto nível não permitiria criar já entre os próprios músicos esse ambiente de excelência?
Isso funciona das duas formas. Um músico entra e, evidentemente, traz a sua qualidade e tudo o mais. Mas, ao mesmo tempo, existe o risco de, convivendo com uma pessoa que tem vícios, que tem problemas tanto musicais como de comportamento ou disciplinares, essa pessoa também ser levada e ser influenciada negativamente. Que problemas de comportamento o sr. vem enfrentando? Recebi reclamação de maestros convidados que chegaram para reger obras importantes e encontraram a orquestra totalmente despreparada. Pouquíssimos músicos levaram as partes para casa e estudaram antes do primeiro ensaio. Isso acontece menos comigo como chefe, mas eles se permitem ter esse comportamento com maestros convidados, principalmente o maestro que está vindo pela primeira vez.
Não há uma cultura da excelência?
Um músico é como um atleta. O atleta tem de se manter em forma, e o músico tem de estar em forma para manter a afinação no lugar, dar escalas e arpejos.
Qual seria um exemplo de um dos “Ronaldinhos” que mencionou na entrevista à Folha?
Contratamos agora um carioca que toca o primeiro trompete na orquestra de Sevilha, está indo para a OSB. Fantástico. Tem coisa melhor do que você trazer um brasileiro desta cidade? Um carioca pode voltar, porque nós vamos pagar um salário melhor do que o que ele recebe lá. Ele não precisa tocar em Sevilha.
Além dos “Ronaldinhos”, existe um espírito meio Romário, que não quer treinar, que quer garantir tudo na hora?
Mas o Romário é um gênio. Você não pode comparar com o Romário. O Romário é o Villa-Lobos, o João Carlos Martins. É esse o nível do Romário. O Rio tem cinco orquestras profissionais. Alguns músicos tocam em duas ou até mais. São grandes problemas. Algumas orquestras ensaiam exatamente no mesmo horário.
E como é que o músico se vira para estar nos dois lugares ao mesmo tempo?
Uma das coisas que eu não permiti mais, a não ser em casos realmente de eventos aos quais o músico é convidado para atuar como solista ou num concerto de música de câmara importante, foi o músico mandar o “Lima”. Mandar um substituto. Era corriqueiro na OSB. E ainda é em outras orquestras.
Existem outras orquestras no mundo passando por problemas semelhantes?
Orquestras que estejam promovendo aumentos salariais e sofrendo por isso? Não. Orquestras que estejam promovendo as melhores condições possíveis em seus país e estejam sendo atacadas e chamadas de desumanas por querer providenciar condições que os músicos jamais tiveram? Não consigo imaginar qualquer situação assim. É absurda essa situação.
Eu sei que a Orquestra Sinfônica de Detroit cancelou sua temporada porque estão propondo um corte de 30% nos salários. É uma das dez mais importantes dos EUA. Eu sei que a orquestra de Syracuse, no Estado de Nova York, foi à falência na semana passada. A Orquestra Sinfônica de Honolulu [no Havaí], que é tradicional, de quase cem anos, fechou no ano passado. E pouca coisa foi dita. O governo da Holanda tem a intenção de cortar e fechar orquestras.
A internet aglutinou os insatisfeitos, até no plano internacional?
Com certeza. É um espaço onde as pessoas dizem qualquer coisa, sem nenhum tipo de compromisso. A internet permite que as pessoas digam sem a menor responsabilidade qualquer tipo de absurdo. E consigam influenciar milhares de pessoas.
Nelson Freire embarcou nessa campanha da internet?
Ele está sendo bombardeado por mensagens que apresentam um lado da história, e é muito fácil se posicionar dessa forma, sem averiguar exatamente os fatos.
O sr. dá como favas contadas que ele não virá tocar com a OSB?
Estou tentando fazer contato com o Nelson, ter uma conversa franca com ele para que possa também conhecer este lado da história.
Se essa situação fosse uma sinfonia, em que momento estaria?
Se a gente estivesse fazendo a “Pastoral” de Beethoven, seria a “Tempestade”.
E o que vem depois?
Vem o “Alegre Canto”. Vem um hino de gratidão, como Beethoven pôs na sua “Pastoral”.
“Regente afirma que processo de avaliação é parte de “projeto artístico e também administrativo, que envolve um novo contrato, uma nova proposta, um novo regimento interno”
“Tocar no Rio e ?depois tocar na Sala São Paulo, praticamente para o mesmo público que ouve a Osesp semanalmente, é um desafio para a orquestra”
Fonte: Folha de S. Paulo