Eleito o sétimo melhor do mundo, Chef do D.O.M. diz que os restaurantes são um negócio como outro qualquer e precisa ganhar dinheiro.

Com o habitual traquejo para falar em público, o cozinheiro Alex Atala, 43, chef do D.O.M., eleito o sétimo melhor restaurante do mundo pela revista “Restaurant”, disse ontem, na sabatina da Folha, que se tornou garoto-propaganda, depois da projeção dada pelo prêmio, para pagar dívidas – que ele diz ser de R$ 6 milhões.

Atala é criticado pela publicidade dada a uma marca de caldo de carne, por exemplo, produto industrializado que não usa nem na cozinha do D.O.M. nem na do Dalva e Dito, seus dois restaurantes.

Entrevistado pelo editor do “Comida”, Vinícius Queiroz Galvão, pelo crítico de gastronomia da Folha, Josimar Melo, pela editora da UOL Receitas, Cláudia Lima, e pelo sociólogo Carlos Alberto Dória, Atala disse que  a gastronomia brasileira só vai crescer quando formar um bloco sólido.

“Um restaurante como o D.O.M. não é reconhecido como brasileiro pelos próprios brasileiros (sempre acham que é de cozinha contemporânea)”, afirmou.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

MELHORES DO MUNDO: Não fiz nada para entrar nessa lista (dos melhores restaurantes do mundo da revista “Restaurant”), mas faço tudo que eu posso para meu restaurante ser cada vez melhor. Subi, mas vou cair. Meu compromisso com a minha equipe e com a minha clientela é mais do que com a lista. Perco zero segundo com a lista, perco cada segundo para fazer um restaurante melhor.

ÉTICA NA PROPAGANDA: Não é agradável acordar, olhar no espelho  e pensar: “Eu sou  o sétimo do mundo, mas devo seis (milhões de reais). Da propaganda do caldo de carne, eu não me arrependo, é a primeira coisa que eu quero falar. Mas talvez eu não me orgulhe. Duvido que a Gisele Bundchen use a lingerie que anuncia. Tem ética dos outros e tem a minha ética. Devo R$ 6 milhões e tenho de pagar minhas contas. Estava nadando em dívidas.

PREÇO: O D.O.M é caro. Ou melhor, é um restaurante onde se paga bastante dinheiro para comer. Quando nasceu, tinha 90 lugares. Hoje, tem 54. Não consigo atender mais. Na história da cozinham um restaurante gastronômico sempre foi considerado deficitário. Nem o D.O.M. nem o Norma (o número um do mundo, na Dinamarca) inventaram a roda.

AUMENTO: Sempre que precisar, vou reajustar os preços do D.O.M. Eu trabalho como qualquer outro, também para ganhar dinheiro. Gasolina aumenta de preço, não aumenta?

CARDÁPIO: Hoje, no D.O.M. no jantar, de 70% a 80% dos pedidos são por menu-degustação. Mas não abolir o cardápio. Poderia ser um devaneio, mas eu ainda tenho um negócio.

COZINHA BRASILEIRA 1 : Divido a cozinha brasileira em três momentos. A cozinha folclórica, do churrasco, da feijoada e da caipirinha deve ser cultivada. As cozinhas regionais merecem atenção, as afetivas e familiares também. As três devem ser preservadas.

COZINHA BRASILEIRA 2 : Agora, um restaurante como o D.O.M. não é reconhecido como brasileiro pelos próprios brasileiros (sempre acham que é de cozinha contemporânea). A gastronomia brasileira só vai crescer quando mostrar um bloco sólido.

LABORATÓRIO: Não tenho um laboratório (de experimentações) porque eu não quis. Tenho a sorte de não ter um laboratório, mas contar com um profissional com íntimo conhecimento do meu trabalho, do meu projeto, o Geovane Carneiro (subchef), que afina as minhas criações. E minhas alavancas são sempre um ingrediente sensacional ou uma nova técnica.

ERA ADRIÀ: A era do Ferran Adrià pode ter acabado  (com o fechamento do El Bulli), mas na cozinha criativa ela não acabou. Restaurantes tradicionais na França usam seus conceitos.

VIAGENS: Viajar é uma condição. Os chefs estão começando a viajar e comemoro isso. Hoje, o profissional de cozinha não é mais aquele que fica preso ao fogão. O que sobra é uma profissão mais sólida. Espero que essa efervescência consiga ser refletida amanhã.

AMÉRICA LATINA: Os olhos curiosos da imprensa estão voltados para a América Latina, os melhores congressos do ano passado foram sobre a cozinha desses países. O Peru, por exemplo, é uma máquina para vendo o Peru. A gente ainda é arco e flecha nesse aspecto.

IMPERFEIÇÃO: Acho justo um cliente devolver um prato. Somos imperfeitos. Mas existe um benefício de eu me chamar Alez Atala também (as pessoas acham que tudo que faz é bom).

TÉCNICA: Eu, Alex, vou usar todas as técnicas possíveis, novas ou velhas, para alcançar o melhor de cada ingrediente.

ESTAGIÁRIOS: Grandes restaurantes de hotéis do mundo estão mandando jovens para estagiar aqui. Dos meus estagiários, quem fica na profissão é um número pequeno. É importante criar uma geração de curiosos, que não precisa ser só de cozinheiros – podem ser biólogos, cientistas ou botânicos.

CURSO DE GASTRONOMIA: A formação acadêmica em gastronomia hoje é uma condição. A formação profissional no Brasil melhorou muito, mas, para ficar ruim, ainda tem que melhorar um pouco.

Fonte: Folha de  S. Paulo