“O Totem do Lobo” está em cartaz nos cinemas chineses e franceses

Dez anos atrás, quando produtores da estatal Beijing Forbidden City Film Corporation começaram a procurar um diretor para comandar a adaptação para o cinema do romance “O Totem do Lobo”, de Jiang Rong, eles não pretendiam procurar fora da China.

Afinal, era uma história chinesa escrita por um autor chinês que já tinha vendido mais de um milhão de exemplares no país desde sua publicação, em 2004 (desde então, vendeu mais quatro milhões).

Mas quase todos os cineastas chineses procurados pelos produtores recusaram o convite, alguns deles citando sua relutância em trabalhar com lobos. Um fato que provavelmente não ajudava era que o livro tratava de temas vistos pelo governo como delicados, como as relações étnicas na China e os custos ambientais da industrialização.

Os produtores acabaram escolhendo o diretor francês Jean-Jacques Annaud. A opção por ele foi inesperada, já que constava que Annaud teria sido proibido de entrar na China devido a seu filme “Sete Anos no Tibete”, de 1997.

“O Totem do Lobo” está em cartaz nos cinemas chineses e franceses. O livro, que teria sido o romance contemporâneo mais vendido de todos os tempos na China, trata de um jovem estudante da etnia han chamado Chen Zhen (representado no filme por Feng Shaofeng) que, durante a Revolução Cultural, vai viver entre pastores da Mongólia Interior.

Ele aprende sobre a cultura dos nômades e fica fascinado por lobos.

O filme e o livro mostram a invasão das planícies da Mongólia Interior pela população han, levando ao extermínio dos lobos e à destruição das pradarias.

“Nenhum romance antes ou depois exerceu um impacto tão grande na China quanto ‘O Totem do Lobo’”, disse Jo Lusby, diretora-gerente da Penguin China, que publicou o livro em inglês.

O livro ecoou imediatamente em todo o espectro da sociedade chinesa. Dissidentes políticos encontraram mensagens anticomunistas nele, enquanto grandes empresas o deram a seus funcionários para incentivá-los a trabalhar em equipe, como lobos. O livro foi traduzido para 39 idiomas, em 110 países.

Apesar do subtexto político do livro, a produção do filme sino-francês, que custou US$ 45 milhões, foi relativamente tranquila, segundo todos os relatos —fato inesperado, para alguns, em vista do retrato pouco lisonjeiro feito por Annaud da invasão do Tibete pelo Exército de Libertação Popular em 1949, em “Sete Anos no Tibete”.

“É espantosa a ideia de que uma história vista por muitos como sendo crítica do governo chinês seja dirigida por um estrangeiro que já tinha no passado feito um filme que criticou a política chinesa”, escreveu Rob Cain em e-mail. Autor do blog Chinafilmbiz.com, sobre a indústria cinematográfica chinesa, Cain disse que a competência de Annaud pode ter falado mais alto que suas ações passadas.

De acordo com Annaud, representantes da produtora Beijing Forbidden City lhe disseram: “A China mudou, e somos um povo prático. Não sabemos fazer o que você faz. Precisamos de você.”

La Peikang, da produtora estatal China Film Group, que assumiu o trabalho de produção das mãos da Beijing Forbidden City, disse que, embora “Sete Anos no Tibete” tivesse “magoado o povo chinês”, apenas o filme foi proibido na China, não seu diretor. “Era importante para nós encontrar alguém que pudesse fazer este filme bem e amansar os lobos”, disse, citando a experiência de Annaud no trabalho com animais.

“Desfrutei um grau de liberdade que é quase inexplicável”, disse Annaud.

O diretor contou que buscou a colaboração de Jiang. Jiang Rong é o pseudônimo literário de Lu Jiamin, 78, professor aposentado do Instituto Chinês de Relações Industriais, em Pequim, que passou uma década na Mongólia durante a Revolução Cultural; ele foi encarcerado por participar dos protestos na praça Tienanmen.

Rodado na Mongólia Interior, o filme em 3D é cheio de paisagens deslumbrantes e cenas de ação com lobos, tornando ainda mais vívida sua mensagem sobre os perigos ambientais do desenvolvimento da China moderna.

“Meu medo era que ‘O Totem do Lobo’ acabasse sendo um filme bonito sobre animais, nada mais”, comentou Lusby. “Mas o filme é muito mais direto e intransigente do que eu previa sobre a questão ambiental. Fiquei realmente chocada.”