Por Ali Mazloum

*Artigo publicado originalmente na edição desta terça-feria (17/11) do jornal O Estado de S. Paulo.

Para quem ainda não entendeu, uma frase atribuída ao ex-presidente venezuelano Carlos Andrés Péres Rodriguez pode bem sintetizar o que é o Estado Islâmico (ISIS): “Nem uma coisa nem outra, mas muito pelo contrário”. Nestes termos, década de 1970, Péres respondeu à consulta de reportagens sobre se o regime de seu governo na economia seria capitalista ou comunista.

Assim é o Estado Islâmico: não é Estado, nem é Islâmico, pelo contrário, é uma organização criminosa e como tal deve ser tratada. Seus adeptos são delinquentes que devem ser cassados e capturados onde quer que estejam. Por isso, às ações do ISIS, poderá incidir o princípio da extraterritorialidade da lei penal brasileira, pelo qual, crimes praticados no estrangeiro podem aqui ser punidos (art. 7º do CP).

Em nosso sistema penal, espacialmente, têm relevância os princípios da territorialidade, da nacionalidade, da defesa, da justiça penal universal e da representação. Por estes, punem-se quaisquer delitos praticados em território brasileiro (art. 5º), alcançando a lei penal pátria também o nacional que comete crime no exterior (art. 7º, II, b), ou delitos perpetrados contra nacionais no estrangeiro, sob certas condições (art. 7º, § 3º), e, ainda, sempre que o Brasil, por tratado ou convenção, obrigou-se à repressão, independente do lugar ou nacionalidade do agente.

No recente atentado em Paris, com explosões perto ao Stade de France e ataques à casa de show Bataclan, em que o ISIS teria vitimado mais de uma centena de pessoas, havia dentre elas pelo menos três cidadãos brasileiros.

O Brasil é signatário da Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo (1999), Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (2003), dentre outros importantes instrumentos de combate a esse tipo de criminalidade, lembrando, ainda, a eventuais simpatizantes internos, que o Código Penal Brasileiro pune a apologia de crime ou criminoso e a incitação ao crime nos termos dos artigos 286 e 287.

A organização criminosa ISIS não constitui Estado. Segundo a melhor doutrina, nacional e internacional, para que haja Estado, três requisitos devem coexistir: território, povo e governo. Referida organização não está estabelecida em território algum, achando-se ora aqui, ora acolá, ora em lugar algum; não é formada por povo nenhum, senão guerrilheiros, quiçá mercenários financiados para espalhar o terror, protagonistas de cenas produzidas no melhor estilo hollywoodiano; por fim, esse grupamento não tem governo, possuindo no máximo uma estrutura hierarquizada de chefia e divisão de tarefas em planos inferiores.

O grupo ISIS não é Islâmico, nada tendo que ver com a religião muçulmana. Basta atentar para o fato de que as maiores vítimas dessa organização criminosa estão situadas em Estados de maioria muçulmana, como é o caso de Síria, Iraque, Líbia e Líbano. O islamismo tem mais de um bilhão e meio de seguidores, e apenas néscios acreditariam que esse fabuloso contingente poderia estar apoiando alguma organização criminosa.

Vincular organicamente a violência ao Islã é fruto de ignorância, que muito tem contribuído para disseminar a islamofobia pelo mundo, inclusive aqui em nosso País. Sem relações pessoais com muçulmanos, fica ainda mais difícil ao homem comum aquilatar a situação ou contextualizar os fatos ocorridos em Paris ou em Beirute – apenas para ficar nestes últimos dias – diante das brutais incursões do ISIS.

Interesses estratégicos, políticos e econômicos centrados no Oriente Médio podem estar na raiz do surgimento do ISIS, bem como na difusão da falsa conexão entre essa organização criminosa e o islamismo, cujo objetivo é, sem dúvida, espalhar o ódio, a discriminação racial e religiosa. Esse repetido patrulhamento ideológico tem fortalecido grupos islamofóbicos e autorizado, consequentemente, com aplausos da opinião pública, o uso da força naquela região.

É preciso não cair nessa armadilha. O Islamismo tem como princípio central a proteção da vida, a busca da paz e da felicidade, não diferindo das diretrizes fundamentais do judaísmo, catolicismo ou outra de religião qualquer. Não se deixe iludir! ISIS, não é Estado, nem é Islâmico, é uma organização criminosa que está sujeita aos rigores da lei.

Ali Mazloum é juiz federal em São Paulo.