A Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) realizou nesta terça-feira (1º) uma audiência pública para embasar a votação das contas do governo federal de 2014. Participaram da audiência o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, fazendo a defesa do Executivo, e o ministro do TCU Augusto Nardes, autor do relatório pela rejeição das contas do governo, conforme decidido pelo tribunal em 2015.

Nardes ressaltou o caráter técnico do parecer elaborado pelo TCU, relatando que a sua elaboração envolveu mais de 50 auditores e foi baseada em procedimentos e metodologias que têm reconhecimento internacional. Ele também destacou que, diante da análise feita, o TCU não poderia se esquivar da decisão que tomou.

— As nações fracassam quando as instituições falham em cumprir seu papel. Nós fizemos o nosso, de mostrar o que está acontecendo — argumentou.

Adams, por sua vez, disse que os corpos técnicos de diversos órgãos do Executivo chegaram a conclusões diferentes do TCU, e observou que é preciso garantir o contraditório. Ele criticou o que chamou de “casuísmo do processo decisório” no caso das contas de 2014.

— Existe uma manipulação de conceitos que favorece, de acordo com conveniências, a condenação. Não estamos fazendo um juízo político no governo. O que está em julgamento é a aplicação da lei, e é preciso ser coerente.

“Ciclo vicioso”

O ministro do TCU afirmou que a situação fiscal do Brasil vive um “ciclo vicioso”, no qual os indicadores econômicos ruins alimentam a incerteza e a desconfiança e desmotivam os investimentos, o que piora as contas públicas. Ele ressaltou que o cenário não é novo, mas chegou a um ponto crítico em 2014.

Nardes quantificou as manobras orçamentárias do governo federal naquele ano em mais de R$ 106 bilhões. As chamadas “pedaladas fiscais” (manobras contábeis que atrasaram o pagamento de operações do Tesouro com bancos públicos) respondem por mais de um terço desse total, segundo os cálculos do TCU — R$ 40 bilhões.

Falha mais grave

Outros R$ 13,7 milhões têm a ver com créditos orçamentários suplementares criados por decreto, sem previsão na Lei Orçamentária Anual (LOA) ou deliberação do Congresso. Para Nardes, esses créditos são a falha mais grave do governo federal, apesar de o valor ser menor do que o registrado em outras irregularidades.

Nardes contou também que, durante o processo de avaliação das contas do Executivo do ano de 2013, o relator daquela matéria, ministro Raimundo Carreiro, fez uma série de alertas e advertências ao governo em relação a temas assemelhados. O parecer do TCU na ocasião foi pela aprovação com ressalvas, devido ao diálogo, mas, na opinião de Nardes, isso não gerou frutos na governança.

Proporcionalidade

Adams argumentou que faltou ao TCU proporcionalidade na decisão. Segundo ele, o governo manteve contato frequente com o tribunal ao longo da execução orçamentária, fez consultas e atendeu a recomendações. Ele também disse que o TCU agiu sem coerência, aplicando critérios de julgamento que não adotava antes, o que resultou na condenação de práticas que não eram consideradas irregulares em anos anteriores.

Em relação aos decretos de créditos suplementares, Adams argumentou que eles não constavam como falhas no relatório original de Nardes, mesmo à medida que eram editados, e foram acrescentados posteriormente. Além disso, o advogado-geral da União explicou que a abertura desses créditos não se configura em prejuízo à gestão fiscal.

— O controle da meta fiscal se dá no contingenciamento, não na dotação. Se não fosse assim, nem o Congresso poderia aprovar leis que alterassem esse valor — declarou.

“Atrasos pontuais”

Adams rechaçou as “pedaladas”, dizendo que os bancos públicos sempre mantiveram saldo médio positivo em suas transações com o governo ao longo do ano de 2014, mesmo que com atrasos pontuais e operacionais em alguns pagamentos.

Ele afirmou que o próprio TCU já havia reconhecido, em decisões anteriores, que esses procedimentos não poderiam ser considerados como operações de crédito — termo técnico da prática de usar um banco público para financiar o caixa do Tesouro, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Polêmica

Nardes causou polêmica entre os parlamentares ao se retirar da audiência logo após fazer a sua fala, devido a compromissos no TCU. Ele deixou um assessor para responder aos questionamentos dos membros da CMO. Deputados e senadores da base do governo consideraram que a atitude deselegante.

— O que vimos aqui hoje foi um desrespeito muito grande ao Congresso. O TCU é um órgão de assessoramento desta Casa. Não tem nada mais importante que um ministro pode fazer do que vir aqui prestar contas do seu trabalho — criticou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

A presidente da CMO, senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), se disse “decepcionada” com a postura do ministro e cogitou marcar uma nova data para que o ministro retornasse para ouvir os parlamentares, mas a ideia foi rechaçada pelos governistas. A oposição, por sua vez, apoiou a ideia.

— Não podemos deixar que o debate sofrer. Precisamos ter aqui uma discussão que venha trazer tranquilidade e equilíbrio — opinou o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM).

Crime de responsabilidade

Em relação à apresentação de Adams, os parlamentares de oposição consideraram a defesa do governo “frágil” e “sem consistência”, e defenderam a tese de crime de responsabilidade cometido pela presidente Dilma Rousseff no tratamento das contas públicas. Em resposta, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) disse que o próprio TCU não demonstrou a participação direta da presidente em nenhum nos fatos constatados no parecer.

O senador Acir Gurgacz (PDT-RO), relator das contas de 2014 na CMO, falou rapidamente antes do final da audiência. Ele disse confiar no trabalho feito para elaboração de seu relatório, que contraria o TCU e recomenda a aprovação, com ressalvas, das contas. O senador criticou a polarização do debate entre apoio ao governo e oposição, sem atenção às leis, e disse que o país precisa de um debate qualificado e ponderado sobre o tema.

Próximos passos

A CMO já pode votar as contas de 2014 do governo federal, uma vez que o relatório final de Acir Gurgacz já está à disposição dos parlamentares desde a semana passada. No entanto, os oposicionistas ainda exigem uma nova convocação do ministro Augusto Nardes para uma audiência completa, sob o argumento de que essa é uma imposição do regimento interno.

Os líderes partidários da comissão se reunirão às 14h desta quarta-feira (2) para discutir o assunto. O colegiado tem reunião ordinária marcada para logo depois disso, às 15h. (Artur Hugen, com informações da Agência Senado)