Além de investir os recursos da exploração do petróleo do pré-sal na área social, o governo Lula planeja destinar o dinheiro do futuro Fundo de Desenvolvimento Social a dois outros objetivos: reduzir o volume de dólares no país e fazer investimentos estratégicos em países da América do Sul, da África e da Ásia.
Segundo relato de um assessor presidencial, o fundo terá não só a finalidade de “combater nossas eternas carências sociais”, mas também criar “nossos próprios mercados” e “neutralizar a chamada “doença holandesa'” -valorização excessiva da moeda local, causada pela forte entrada de dólares devido a elevadas exportações de determinados produtos, como petróleo e gás, que acabam minando outros setores da economia nacional.
O uso dos recursos do fundo terá uma fase de carência, provavelmente de três anos. Durante esse período, ele ficaria sendo capitalizado com a renda do pré-sal para, só depois, ser utilizado em investimentos no país e no exterior.
O fundo brasileiro será diferente do da Noruega, país usado como modelo para a definição das novas regras de exploração de petróleo.
Enquanto no país nórdico atualmente se gasta apenas os rendimentos do fundo, no Brasil a ideia é gastar também parte do capital do fundo na área social e em inovação tecnológica.
Um dos responsáveis pelo novo marco regulatório defende essa ideia das futuras críticas com dois argumentos: o Brasil é diferente da Noruega, onde não há desigualdade social como aqui, e o fundo terá regras garantindo sua sustentabilidade.
Isso significa que o uso do capital do fundo petroleiro para gastos sem retorno financeiro, como na área social, não poderá comprometer a sua existência.
Caso isso acontecesse, frisa esse assessor presidencial, o país correria o risco de ser atacado pela “doença holandesa” -que tem esse nome em referência ao período de forte valorização da moeda da Holanda depois que aquele país achou grandes reservas de gás em 1959.
O governo brasileiro trabalha com a expectativa de forte entrada de dólares no país a partir da exploração comercial em larga escala do pré-sal -por conta, inicialmente, da vinda de investidores estrangeiros e, depois, da receita com a exportação do petróleo e de seus derivados.
Confirmada essa previsão, o real poderia sofrer uma valorização artificial em relação ao dólar e outras moedas, tirando a competitividade de outros setores da indústria brasileira. Em outros países, isso levou a uma grande dependência da exportação de um único produto, desmantelando o parque industrial.
Com a aplicação dos recursos do fundo no exterior, o governo teria condições de tentar equilibrar a entrada de moeda estrangeira no país. A ideia é investir em ações, títulos públicos e projetos de infraestrutura de retorno garantido.
Geopolítica
A escolha da América do Sul, da África e da Ásia, de acordo com um dos membros da comissão interministerial que elabora o novo modelo, tem caráter geopolítico e comercial -ampliar a influência brasileira no mundo e reduzir cada vez mais a dependência dos mercados tradicionais.
“Queremos criar nossos próprios mercados e neutralizar a “doença holandesa'”, sintetizou o assessor de Lula.
Pelos cálculos do governo e de especialistas, o fundo será abastecido com a renda do pré-sal por pelo menos 30 anos, período mínimo em que essas reservas de petróleo estarão sendo exploradas.
Seu uso de fato no país, com investimentos na área social, não vai ocorrer antes do final do mandato do sucessor de Lula. Afinal, a exploração comercial do pré-sal deve começar somente depois de 2015.
Na última versão do novo marco regulatório do setor de petróleo, ele vem sendo chamado de Fundo de Desenvolvimento Social. O nome, porém, ainda não é o definitivo e pode ser alterado porque atualmente já existe um com nomenclatura similar. A criação do fundo, além disso, depende de aprovação do Congresso.
VALDO CRUZ
Folha de S.Paulo