POR DENNIS OVERBYE

SAN DIEGO, Califórnia – Gerações de cientistas e fãs de ficção científica cresceram supondo que o primeiro encontro da humanidade com a vida extraterrestre vá acontecer no espaço.
Mas é possível que aconteça em pouco tempo e aqui mesmo na Terra, segundo alguns cientistas e biólogos que estão recorrendo à genética moderna para tentar criar vida em um tubo de ensaio. Segundo alguns critérios, o professor Gerald F. Joyce, do Instituto Scripps de Pesquisas, em San Diego, já atravessou essa fronteira.
Não existe um consenso entre biólogos sobre qual deve ser a definição de vida, nem sequer sobre se é útil ter uma definição. Mas a maioria deles concorda que a capacidade de evoluir e se adaptar é fundamental à vida. E eles concordam que ter um segundo exemplo de vida poderia trazer insights sobre como a vida começou e quão especial a vida é ou não é no universo, além de pistas para reconhecê-la se e quando toparmos com ela no espaço.
Joyce disse recentemente: “Fico louco quando astrônomos dizem ‘com certeza o universo deve ser cheio de vida’. Temos um planeta semelhante à Terra; quais são as chances de surgir vida? São do tipo uma chance em um milhão? Uma chance em duas? Não vejo como seria possível responder.”
Ele prosseguiu: “Se tivéssemos um segundo exemplo de vida, mesmo que fosse sintético, talvez soubéssemos responder melhor. Estou apostando que vamos conseguir.”
Quatro anos atrás, Joyce e a então pós-graduanda Tracey A. Lincoln, hoje pesquisadora da Escola Médica da Universidade do Massachusetts, criaram em um tubo de ensaio uma molécula que era capaz de se replicar e evoluir sozinha para sempre, dados os ingredientes certos.
A molécula de Joyce é uma forma de RNA, ou ácido ribonucleico, que reúne proteínas de acordo com a planta codificada no DNA. Nem o RNA nem o DNA, por si sós, são vivos. Mas, no tubo de ensaio de Joyce, sua molécula de RNA especialmente criada chega perto disso, duplicando-se repetidas vezes e evoluindo.
A reprodução é um dos atributos de qualquer vida, explicou o cientista, mas os organismos terrestres desenvolveram truques que aumentam suas chances de sucesso _desde as penas dos pavões até os cantos das baleias. As moléculas de Joyce não o fizeram _ainda. Mas ele diz que é apenas questão de tempo até que o façam.
As ramificações filosóficas e intelectuais da vida criada em um tubo de ensaio são tremendas. Alguns cientistas dizem que a conquista provavelmente não virá acompanhada de drama de ficção científica. Na verdade, é possível que leve anos para que todos concordem que isso foi feito.
“A capacidade de sintetizar a vida será um evento de importância profunda, como a invenção da agricultura ou da metalurgia”, escreveu em e-mail Freeman Dyson, matemático e físico do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, Nova Jersey.
Na Terra, tudo o que conhecemos como sendo vida é fundamentado no DNA, a molécula baseada em carbono que contém as instruções para a criação e operação de células em um alfabeto de quatro letras que se estende por sua espinha de duplo hélice.
As possibilidades de um segundo exemplo de vida são imensas. Ele poderia ser baseado em DNA que utiliza um código genético diferente; poderia ser baseado em alguma molécula complexa que não fosse o DNA, ou até mesmo em algum tipo de química baseado em algo que não fosse carbono, como fósforo ou ferro. Outros se perguntam se a química é necessária de fato. Poderia a vida manifestar-se em um padrão de grãos de poeira eletricamente carregados em uma gigantesca nuvem interestelar, como imaginou o astrônomo britânico Fred Hoyle em seu romance “The Black Cloud” (A nuvem negra)?
Até agora, disse Joyce, seu trabalho com Lincoln vem mostrando que moléculas criadas pelo homem podem evoluir ao longo de gerações sucessivas. “Elas podem transmitir informações de pais para sua prole; podem sofrer mutações”, disse Joyce.
Alternativas de todos os tipos vêm sendo exploradas em outros laboratórios.
Alguns pesquisadores, como Steven Benner, da Fundação para a Evolução Molecular Aplicada, na Flórida, vêm construindo e fazendo experimentos com formas de DNA que empregam alfabetos codificados de mais de quatro letras. J. Craig Venter, que ajudou a liderar a decodificação do genoma humano e hoje é presidente do Instituto J. Craig Venter, recentemente usou substâncias químicas compradas em lojas para reconstruir o genoma de um parasita bacteriano de cabras e o colocou em outra bactéria, da qual ele tomou conta, passando a produzir cópias dele próprio.
George Church e Farren Isaacs, da Escola Médica de Harvard, relataram recentemente que tinham reprogramado o genoma de uma bactéria E. Coli, abrindo a possibilidade de incorporar novas características nela. Joyce descreveu esse trabalho como “biotecnologia molecular realmente ousada”.
Jack Szostak, da Escola Médica de Harvard, e seus colaboradores, iniciaram um projeto ambicioso de construção de uma célula artificial que possa se replicar e, presume-se, evoluir.
Rastreando as Origens da Vida Cientistas acreditam que a vida na Terra se originou há 3,8 bilhões de anos. Químicos desconfiam que o primeiro habitante da Terra tenha sido o RNA.
(Em 22 de agosto o NYT relatou que uma equipe de geólogos australianos e britânicos tinha descoberto organismos unicelulares fossilizados de 3,4 bilhões de anos atrás que, segundo cientistas, são os mais antigos fósseis conhecidos da Terra. Os fósseis foram encontrados em arenito na formação rochosa de Strelley Pool, na Austrália Ocidental.)
Hoje o RNA realiza pequenas tarefas para o DNA. Como o DNA, o RNA codifica informações genéticas. Diferentemente do DNA, contudo, o RNA também é capaz de catalisar reações químicas entre outras moléculas, fatiando-as ou amarrando-as em feixes, uma tarefa que, nos organismos modernos, é realizada principalmente pelas proteínas.
Em 1962 o biólogo Alexander Rich, do Massachusetts Institute of Technology, sugeriu que o RNA pode ter exercido os dois papéis no início.
Cientistas não podem comprovar que foi assim que a vida surgiu na Terra, mas podem produzir seu próprio RNA e ver se conseguem lhe infundir vida.
Em 2002 Gerald Joyce e a pós-doutoranda Natasha Paul configuraram uma molécula para que reconhecesse e colasse um par de moléculas menores.
Quando unidas, essas moléculas formariam uma nova cópia da molécula original em formato de T. Funcionou; o RNA criou novas versões dele mesmo, mas não com rapidez suficiente para acompanhar a tendência natural do RNA original de se fragmentar. Logo, ele estava morrendo mais rapidamente do que estava se reproduzindo. Joyce encontrou uma maneira de acelerar o processo, fazendo com que duas versões complementares do RNA fabricassem uma à outra.
No dia 1° de outubro de 2007 os replicadores “passaram do ponto crítico”, nas palavras de Joyce, e sua população começou a crescer exponencialmente.
A equipe de Joyce sintetizou 12 versões dos replicadores, que podem sofrer mutações e evoluir para melhorar sua capacidade de reprodução. Os cientistas incluíram essas versões na “panela”, juntamente com o “alimento” apropriado, para que compitam.
No final, as moléculas vencedoras estavam dobrando de número a cada 15 minutos. Trocas equivocadas geraram mutações. A maioria das versões originais havia desaparecido quase por completo. Para resumir: a molécula tinha evoluído.
Em um experimento separado, as moléculas foram desenhadas para que se replicassem apenas quando outra substância química estivesse presente.
“Essa é a aplicação que vai pagar por isto”, disse Joyce, explicando que as moléculas replicadoras podem ser moldadas para detectar poluentes ou toxinas perigosas no meio ambiente. Agora a equipe de Joyce está começando a promover o mesmo torneio com 256 versões da enzima replicadora.
Isso significa que podem emergir cerca de 65 mil combinações genéticas. Como disse Lincoln, “estamos batendo na porta, mas ainda não chegamos por completo”. Sidney Altman, professor da Universidade Yale que ganhou um Prêmio Nobel por descobrir propriedades do RNA, disse que a verdadeira vida criada em tubo de ensaio ainda pode estar a anos de distância.

 

Fonte: Folha de S. Paulo