Quem vivenciou o Guarujá dos anos 1960 e 1970 lembra do agito do centrinho, das sorveterias e das sessões do cine Praiano, do prédio do velho (desativado) do Cassino, das fisionomias conhecidas. Mas imagine quem passeou nesse balneário, aberto em 1893, no início do século 20?
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A 86 km de São Paulo, Guarujá, município desde os anos 1930, teve traçado planejado.
Tudo teve início quando três paulistas endinheirados tiveram a ideia de construir um balneário chique e europeizado adquirindo a Companhia Balneária de Santo Amaro do quatrocentão Antonio da Silva Prado.
Elias Pacheco e Chaves, Elias Fausto Pacheco Jordão e Valêncio Teixeira Leomil foram os pioneiros por trás do projeto e, em 1892, chegaram ao porto de Santos os bangalôs pré-fabricados de madeira que eles importaram de Rhode Island (EUA).
Anos depois, a companhia do balneário (então chamada Prado, Chaves & Cia.), que não ia tão bem assim, foi comprada pelo norte-americano Percival Farquhar, tido então pelo maior investidor privado no Brasil.
Foi ele o empreendedor que edificou o cassino e as estruturas no Grand Hôtel La Plage -projetado pelo escritório Ramos de Azevedo e aberto em 1912 para tomar do lugar do anterior, que havia se incendiado.
ERA DO GRAND HÔTEL
Nascido em York, na Inglaterra, Farquhar foi um titã internacional que morreu em Nova York, nos EUA. Na primeira metade do século 20, seu nome esteve ligado a ferrovias como a Madeira-Mamoré, a geradoras de eletricidade, companhias mineradoras, portos e frigoríficos.
À época, ele tinha interesses em locais diversos como EUA, Cuba, Brasil, Guatemala e Rússia, onde se diz, ele negociava direto com Lênin.
Aristrocrata que estudou direito em Nova York e engenharia em Yale, pioneiro da indústria turística e adepto da boa mesa, ele dizia que “nenhum país pode se desenvolver sem bons hotéis e cozinheiros refinados”. Ele abriu, em São Paulo, a Rotisserrie Sporstman, trazendo de Paris o chef Henri Galon.
Renomeada Companhia Guarujá, a empresa do balneária de Farquhar edificou o Grand Hôtel La Plage no local onde funciona o shopping homônimo. A piscina do hotel, vista em fotos, foi a mesma do extinto clube da Orla.
Construído de madeira, o hotel tinha quatro prédios de três e quatro andares, elevadores, apartamentos com banheiras duplas e telefones.
O pavilhão para banhistas contava com uma centena de cabinas, canteiros ajardinados e um minizoo.
Banco de Dados/Folhapress |
Santos-Dumont, à direita, na última foto feita no Grand Hôtel |
Mas a fortuna de Farquhar, ligada a investidores estrangeiros e dependente de concessões governamentais, fez água em 1913, com a Guerra dos Balcãs, e quase foi a pique na eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
MORTE MISTERIOSA
Uma nota triste na história do Grand Hôtel, que foi demolido no início dos anos 1960, a morte do inventor Alberto Santos-Dumont, ocorrida em 1932, é misteriosa.
Seu atestado de óbito, assinado pelo legista Roberto Catunda e por Ângelo Esmolari, registrou a morte como colapso cardíaco. Já o relato de camareiras que acharam o corpo, reza que ele havia se enforcado com a gravata.
Inaugurada no início dos anos 1970, a rodovia Piaçaguera-Guarujá virou uma alternativa à balsa, até então a única ligação entre Guarujá e Santos. Com o fim do gargalo, mais e mais turistas vieram. E então, para o bem e para o mal, o balneário entrou na modernidade.
Fonte: Folha