Por Lucas Matheron, AgoraVox (Bruxelas)
O CIMI – Conselho Indigenista Missionário – é uma organização vinculada à Igreja Católica através da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – que, em meio à ditadura militar, decidiu ampliar sua ação missionária aos povos indígenas visados pela política de integração cultural empreendida pelo Estado totalitário. Desde sua criação em 1972, o CIMI tornou-se um protagonista incontornável na luta dos povos ameríndios quanto ao respeito pelos seus direitos políticos e culturais [1].
Composto tanto por leigos como religiosos, o CIMI reúne, sobretudo, militantes da causa indígena que executam as ações e os objetivos definidos pela Assembleia Geral bienal. A serviço dos povos indígenas, as ações desses missionários idealistas se situam nos campos da teologia e da antropologia, bem como nos setores da comunicação, da educação, da formação ou da saúde, mas também no plano jurídico, notadamente no âmbito da demarcação das reservas indígenas.
Concebido a partir de uma vontade política da CNBB, o CIMI abriu sua rota no caminho da emancipação dos povos indígenas e, sob a impulsão dos seus membros repartidos em todo o território brasileiro, a organização se impôs na paisagem política do país, principalmente nas questões indígenas, claro, mas também, por tabela, no tocante às questões ambientais ou fundiárias, questões fundamentais que corroem, ainda hoje, a sociedade brasileira.
É nesse contexto que em certas regiões, notadamente na Amazônia, membros do CIMI vivem uma luta constante contra as oligarquias desenvolvimentistas do país, em especial os setores da mineração e do agrobusiness, sendo objeto de intimidações e ameaças. Recentemente, essa terça-feira 23 de setembro, no Estado do Acre (Extremo Oeste do país), nessa mesma terra que testemunhou o assassinato de Chico Mendes 26 anos atrás, a sede regional do CIMI foi depredada e seus equipamentos de informática em parte destruídos, entre os quais os discos rígidos que foram roubados [2]. Para os responsáveis locais da organização, os membros associados ou os simpatizantes, a assinatura do ato de vandalismo não faz dúvida; a organização está em guerra aberta contra os ruralistas (fazendeiros) que são inimigos “hereditários” das populações indígenas das quais eles querem as terras para ampliar seu agronegócio. Os mesmos motivos pelos quais, há 30 anos, Chico Mendes havia se tornado o homem a ser derrubado.
Ora, na paisagem política nacional, os ruralistas representam uma força com a qual os governos devem contar, e mais ainda os candidatos a governantes. Com efeito, os grupos de interesses ultrapassam as filiações partidárias e as alianças políticas, sejam elas abertas ou veladas, mostrando claramente as forças ocultas das velhas oligarquias conservadoras que mantêm ainda a sociedade brasileira sob o jugo de uma tradição colonialista, até mesmo feudal.
Nesse contexto de conflitos, Lindomar Padilha, coordenador do CIMI da região da Amazônia ocidental é um ativista militante que não poupa nem os políticos locais e nacionais, nem os fazendeiros que estão em guerra aberta contra as tribos ameríndias que reivindicam suas terras ancestrais. No seu blog [3], Lindomar denuncia tanto as milícias ruralistas que assassinam regularmente líderes indígenas ou trabalhadores rurais, quanto as políticas governamentais que visam favorecer o desenvolvimento do agronegócio “verde” na Amazônia, ou ainda as manobras de políticos locais ou nacionais implicados em projetos duvidosos naquele recanto perdido do mundo. E os casos se seguem repetitivamente, e de forma crescente.
Essas denúncias são reprisadas por um tanto de sites de ONG ou de blogs de parceiros, amigos ou simpatizantes. Dentre eles, a rede Aliança RECOS repassa as informações para os quatro cantos do país, e na medida do possível, tentamos projetá-las internacionalmente, pois sabemos que uma projeção em maior escala permite um melhor apoio a essas ações militantes contra os abusos de poder e as perversidades de toda ordem num mundo – a Amazônia – praticamente sem lei. Ver artigos anteriores [4] e [5] a respeito.
Frequentemente, nos sentimos muito pequenos nas garras da corrupção latente e dos poderes políticos que têm como dono o deus dinheiro. Mas quando recebemos mensagens de apoio, de incentivo ou agradecimentos, tanto por parte de quem foi vitimado quanto de outros que nos apoiam, reencontramos a fé no que é justo e forças para prosseguir nessa luta militante. É esse apoio que hoje queremos dar ao Lindomar e sua esposa Rosimeire, que o auxilia na coordenação regional, para lhes dizer que não estão sozinhos. Eis o porquê é tão importante poder contar com uma rede de mídia independente que não faz o jogo do poder. A Aliança RECOS encaixa suas ações nessa linha e ficamos felizes de encontrar aqui um apoio e a possibilidade de transmitir essas informações.
[1] www.cimi.org.br
[2] www.insurgentecoletivo.blogspot.com.br/2014/09/invasao-sede-regional-do-cimi-amazonia.html
[3] www.lindomarpadilha.blogspot.com.br
[4] www.agoravox.fr/ecrire/?exec=articles&id_article=144970
[5] www.agoravox.fr/ecrire/?exec=articles&id_article=145642
* Lucas Matheron, é ecologista, francês de origem, radicado no Brasil há 30 anos, tradutor independente nos idiomas francês e português. Membro da Aliança RECOS (Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras) desde 1999, da qual é coordenador de comunicação para os países francófonos. www.lucas-traduction.trd.br