O desmatamento ilegal na Amazônia mobilizou a máquina governamental durante os últimos sete anos, obtendo resultados que bateram os 47% de redução em 2010. Agora, um dos maiores desafios das autoridades ambientais para os próximos cinco anos é reduzir as crescentes taxas de desmatamento legal no bioma Cerrado, onde é possível derrubar até 80% da cobertura vegetal sem ser incomodado pela fiscalização, tudo de acordo com a legislação vigente.
No Ministério do Meio Ambiente, essa tarefa é vista como prioritária, e depende ao mesmo tempo das negociações do Código Florestal no Congresso, da implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle das Queimadas e Desmatamento no Cerrado, do resultado de arranjos institucionais no setor público e privado para a construção do Macrozoneamento Ecológico-Econômico (MacroZEE) e, principalmente, de mudanças no modelo predatório de uso da terra para atividades agropecuárias.
O Departamento de Florestas (Deflor) da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA negocia com o Congresso a manutenção dos parâmetros de preservação permanente no bioma e a volta da proteção para as veredas, abolida pelo substitutivo aprovado pela Câmara. “A norma geral [Código Florestal] é o único mecanismo legal de preservação do Cerrado, já que ele ainda não é reconhecido como patrimônio natural pela Constituição”, avalia o diretor do Deflor, João de Deus Medeiros.
A liberdade para a supressão das veredas ameaça um dos ecossistemas mais sensíveis do País, com reflexos negativos na fauna, na flora e no ciclo hidrológico. “O Cerrado será o bioma mais afetado caso passem as mudanças propostas”, afirma Medeiros.
A expansão da fronteira agrícola, estimada com base em levantamentos de imagens de satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), projeta uma supressão da vegetação que beira os 4 mil Km2 de Cerrado por ano. Para uma taxa de desmatamento anual em torno de 0,47% do bioma, calculada sobre uma área remanescente de 1,2 milhão de Km2, a previsão do Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás aponta o desmate de 40 mil Km2 por década, a depender do resultado das medidas adotadas. “É claro que são projeções”, salienta o professor Manuel Ferreira.
A produção de commodities, principalmente da soja, deixa na esteira do progresso perdas incalculáveis para a biodiversidade. A Conab prevê para 2011 uma safra de soja para o Centro-Oeste próxima dos 34 milhões de toneladas, em uma área plantada de 11 milhões de hectares, superior à do estado de Pernambuco. O rebano bovino trabalha com uma área de ordem de grandeza parecida. Somente no Centro-Oeste, a estimativa, com base no senso agropecuário do IBGE, se aproxima das 65 milhões de cabeças de gado, com baixa produtividade por hectare ocupado.
“É difícil reverter a lógica do produtivismo”, admite o secretário de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA, Roberto Vizentin. Ele se refere à rotina dos ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário na busca de diálogo com o setor produtivo para minimizar os impactos socioambientais das atividades agropastoris. Um sistema secular, que simplifica o uso da terra e privilegia o uso de insumos agroquímicos, desconsiderando os aspectos ecológicos e provocando fortes impactos sobre o meio ambiente.
No caso do Cerrado quase não é possível falar em recomposição da mata nativa como forma de minimizar os danos do desmatamento. A opção é recuperar e reutilizar áreas já impactadas pelas atividade agropastoris para evitar abertura de novas frentes. Por isso, explica Vizentin, o governo vem intensificando as políticas públicas de fomento à produção sustentável, privilegiando a produtividade para evitar o desflorestamento. Os caminhos para isso são, por um lado, buscar cada vez mais a parceria dos próprios agricultores e pecuaristas, pequenos, médios ou grandes, e por outro, criar mecanismos de Zoneamento Ecológico-Econômico, que sinalize com clareza regras sustentáveis para o crescimento econômico. “Estamos iniciando o processo de negociação do Macro ZEE do Cerrado. Vamos ouvir todos os setores na esfera governamental e no setor produtivo”, esclarece Vizentin.
Clima – O secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do MMA, Eduardo Assad, entende que conter o desmatamento no bioma é fundamental para o cumprimento das metas internacionais de redução de 40 % nas emissões, prevista pela lei da Política Nacional sobre Mudanças do Clima. Tecnologia, explica ele, “já existe e foi testada em grande parte no Cerrado”.
Isso faz com que o plantio direto, integração lavoura, pecuária e floresta e tecnologia para recuperação de pastagens, em boa parte fruto das pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), “tenham grandes chances de produzir os efeitos esperados”, segundo ele.
A Conab, segundo o Gerente de Levantamento e Avaliação de Safra, Eledon Oliveira, já identificou, no Centro-Oeste, que boa parte da ampliação de áreas de plantio de soja está em regiões que já foram dominadas por pastos. A expectativa é que a substituição se transforme em tendência, o que irá reduzir cada vez mais a demanda por abertura de novas áreas.
Para 2012, o Governo pretende adotar medidas que consolidem o programa Agricultura de Baixo Carbono. O plano está pronto e aguarda apenas a aprovação do comitê interministerial de mudanças do clima. “O Cerrado é área prioritária para os investimentos”, defende Assad. O ABC é um dos pilares da estratégia de enfrentamento das mudanças climáticas. A tarefa principal dele é fomentar a mudança do modelo produtivo. Uma parceria do MDS, Mapa e MMA, o programa já começou a ser operado pelo Banco do Brasil com recursos próprios e 2 bilhões de reais disponíveis no BNDES. De acordo com o Coordenador de Manejo Sustentável dos Sistemas Produtivos do Mapa, Elvison Ramos, o ABC trabalha com a capacitação de técnicos em vários municípios do Cerrado, e demais biomas, para facilitar o acesso e utilização dos recursos.
Brasil sem miséria – São das parcerias com os vários setores sociais que saem os melhores resultados em termos de preservação, avalia Vizentin, que supervisiona a implementação do Plano de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade. Em parceria com o MDS, MDA e Companhia Nacional de Abastecimento, o plano vem ganhando fôlego, adotando como base o diálogo direto com os povos e comunidades tradicionais. Sua contribuição para o Programa Brasil sem Miséria, uma das mais importantes metas do atual Governo, atende diretamente às populações tradicionais. Em quatro anos, está conseguindo aliar a preservação e o uso sustentável das riquezas da biodiversidade. A meta é beneficiar cerca de 50 mil famílias, nos seis biomas, melhorando a renda e gerando empregos verdes.
Além de ganhar valor agregado, produtos extrativistas do Cerrado, como o pequi, o babaçu, a mangaba e o baru foram incluídos nas políticas de mercados institucionais e já contam com garantia de preço mínimo e integram tanto o Programa de Aquisição de Alimentos e o da Merenda Escolar. Para participar, o extrativista tem que provar que explora os recursos naturais de forma a assegurar a sustentabilidade. “É difícil acreditar que ainda há pobreza extrema em áreas que se destacam pela riqueza de sua biodiversidade”, constata o gerente de projetos da Diretoria de Extrativismo do MMA, Júlio Pinho.
Para o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Bráulio Dias, é justamente a riqueza dos recursos naturais dos biomas brasileiros que assegura a sobrevivência das populações de baixa renda. “Hoje a maioria retira da biodiversidade apenas o necessário para a subsistência. Temos que fazer com que aumentem sua renda, usando mais recursos naturais e de forma sustentável”, explica. Para impulsionar a participação das comunidades na preservação, o Ministério do Meio Ambiente aguarda a aprovação pelo Congresso de proposta para Pagamento por Serviços Ambientais. Enquanto isso, trabalha para que o Cerrado tenha, já em 2012, o acesso ao Bolsa Verde, incentivos dados às populações com renda inferior a 50 dólares por trimestre e que comprovem sobreviverem de atividades sustentáveis.
O Cerrado entrou na pauta de prioridades por ser, na atualidade, o ecossistema sob maior pressão, com taxas de desmatamento quatro vezes superiores às da Amazônia. Para Bráulio Dias, é preciso acumular maiores conhecimentos sobre o Cerrado para atender às demandas relativas a sua biodiversidade. A Estratégia Nacional do Sistema de Unidades de Conservação para o bioma Cerrado, desenvolvida em parceria com o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade e Ibama, está bastante avançada, informa. O documento, que vai nortear as ações voltadas para áreas protegidas do bioma, traz uma revisão das áreas prioritárias para a biodiversidade do Cerrado que deverá definir o que, onde e como assegurar as metas de preservação do bioma e até expandir o que foi prometido pelo Brasil na Conferência de Biodiversidade em Nagoya. Em 2010 o bioma contava com 7% de seu território protegido, número considerado bom, não fossem as categorias das unidades envolvidas. Grande parte dos cerca de 160 mil hectares sob proteção é constituído por Áreas de Proteção Ambiental (APAs), onde a ocupação humana e as atividades econômicas sofrem poucas restrições em detrimento da biodiversidade.
Mesmo assim, experiências de preservação do Cerrado, com promoção de desenvolvimento sustentável envolvendo manejo de unidades de conservação, vem se multiplicando de forma eficaz. Em 2008, foi criado no norte de Minas Gerais e nordeste da Bahia o Mosaico Peruaçu-Grande Sertão Veredas. Em três anos, a gestão compartilhada entre estados, municípios e o ICMBio, com apoio e participação da população, vem trazendo desenvolvimento econômico, valorização das culturas tradicionais e engajamento na preservação do meio ambiente. Formado por seis parques nacionais em três estados, áreas de preservação ambiental estaduais e três reservas particulares do patrimônio natural, além da área indígena dos Xacriabás, o mosaico fortaleceu as cooperativas de produção de populações tradicionais, o extrativismo e o turismo ecológico. Tudo isso, com o resgate das culturas e tradições locais, elevando renda, gerando empregos, com impactos na identidade cultural e autoestima das populações.
Com uma área de 204 milhões de hectares, equivalente aos territórios de Portugal, Espanha, França, Alemanha e Suécia juntos, o Cerrado já perdeu quase 100 milhões de hectares de sua vegetação nativa. O pior é que essa perda ameaça diretamente o ciclo das águas em três bacias hidrográficas, a do São Francisco, da Amazônia e a do Prata, que abrange as regiões Sul e Sudeste. “O cerrado é um grande desafio, porém os avanços até aqui são consideráveis”, avalia Bráulio Dias. É que o País nunca teve uma política de preservação ambiental voltada para o Cerrado. A preocupação preservacionista dos governos até 2005 era centrada na Amazônia e sobrava para o Centro-Oeste, onde está 68 por cento do Cerrado, apenas políticas para a expansão agropecuária.
Por isso, em 2005 o Governo criou o Programa Cerrado Sustentável, voltado para o desenvolvimento com sustentabilidade da região. Cinco anos depois, em 2010, a iniciativa desembocou no PPCerrado, que tem em sua gênese um amplo debate com vários segmentos da sociedade, governos municipais, estaduais e setor produtivo. Combate ao fogo, educação ambiental rural e práticas alternativas de manejo e conservação do solo e da água são as armas do programa, em fase inicial de implementação. Incorporando a experiência do Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), esforço que vem reduzindo sistematicamente as taxas de desmatamento no bioma amazônico, o plano tem um cronograma de ações que vai até o final de 2012, com investimentos de R$ 400 milhões.
fonte: ASCOM