Livros são coisas perigosas. Eles podem mudar sua vida. Quando eu tinha 6 anos li o “Viagem de Um Naturalista ao Redor do Mundo”, onde Charles Darwin conta suas experiências durante a viagem do Beagle, entre 1831 e 1836. Foi esse livro que me fez desejar ser um “naturalista”, profissão hoje conhecida como biólogo. Junto com os documentários que assistia, ele acendeu a vontade de viajar e conhecer a diversidade da vida, as “endless forms most beautiful”, como Darwin descreveu.
Claro que seria inevitável colocar Galápagos no topo de minha lista de lugares a visitar, mas, sem vir de uma família com recursos, tive que esperar até me tornar um profissional razoavelmente bem-sucedido antes de ter essa oportunidade. Finalmente, em 1998, fiz a peregrinação que todo biólogo deseja fazer.
Foi nessa viagem que conheci os famosos tentilhões, sabiás-do-campo, iguanas e tartarugas que impressionaram Darwin e plantaram a semente da teoria que é a base para a compreensão não só da Vida, mas também de qualquer sistema complexo que envolva replicantes e recursos limitados. A Perigosa Idéia de Darwin tem implicações muito profundas.
Foi também nessa viagem que conheci El Solitario Jorge, o último Chelonoidis nigra abingdonii, uma subespécie de tartaruga gigante. Jorge morreu em 24 de junho deste ano, o ponto final de uma história evolutiva que começou milhões de anos atrás quando seu ancestral, lançado ao mar por algum desastre ou acidente, conseguiu chegar à praia de uma ilha há muito submersa e deu origem à linhagem das tartarugas gigantes de aparência pré-histórica.
O direito à existência foi negado a Jorge e sua linhagem porque marinheiros, especialmente baleeiros, os usaram como comida e introduziram cabras em sua ilha, destruindo assim a vegetação.
Coletores científicos abastecendo museus também tiveram seu papel, como o infame Rollo Beck, que em 1906 matou três das quatro abingdonii sobreviventes (Jorge foi o que escapou).
A espécie Chelonoidis nigra abingdonii não é, de maneira alguma, a única forma de vida erradicada deste planeta porque pessoas precisavam se sustentar de alguma maneira. Mas vale lembrar que não existem mais a indústria baleeira e nem a criação de cabras, que eram tão importantes a ponto de justificar o fim das abingdonii. Como não existem mais nem indústrias, nem tribos e nem civilizações que varreram espécie após espécie deste planeta.
Quando vejo o que estamos fazendo com 3,5 bilhões de anos de evolução, e o porquê de estarmos fazendo isso, olho esta foto de Jorge e me pergunto: qual é a espécie primitiva?
Fabio Olmos
Fonte: Site o eco