Por Marco Lentini e Jaime Gesisky*
A elevação nas taxas do desmatamento na Amazônia detectada pelos satélites no intervalo entre agosto de 2014 e julho de 2015 foi a maior dos últimos quatro anos. Na prática, são 6.207 quilômetros quadrados de floresta tropical úmida tornados pó. Essa floresta derrubada pulveriza ativos que poderiam fazer o país dar o verdadeiro salto para o futuro, na direção do desenvolvimento limpo, sustentável e socialmente inclusivo.
Estudo recente liderado pelo climatologista Carlos Nobre (MIT) alerta que drásticas mudanças no uso da terra, com altas taxas de desmatamento e incêndios cada vez mais frequentes, combinados com períodos de seca cada vez mais longos e eventos climáticos extremos, podem levar a floresta a um processo irreversível de “savanização”.
Até 2050, dizem os atuais modelos matemáticos, a metade da floresta tropical pode ser substituída por savanas tropicais degradadas ou florestas sazonais, mais secas – e mais pobres. O Brasil está literalmente torrando seu maior patrimônio, quando poderia estar preparando a transição para uma nova economia – assim como tem se comprometido internacionalmente.
Apesar de uma biodiversidade impressionante (10% das espécies do planeta), grande quantidade de recursos valiosos – que vão do jambu, uma simples planta dos quintais amazônicos com seu princípio ativo, o alcaloide spilanthol, pesquisado para anestésicos e anti-inflamatórios, até espécies de madeiras tropicais mais valorizadas do planeta –, o Brasil se dá ao luxo extravagante de permitir que o crime do desmatamento siga firme na região.
Cinco medidas para zerar o desmatamento no Brasil
Mesmo após décadas de pesquisa e projetos de campo, toda a capacidade técnica em usar seus recursos florestais de modo sustentável, a Floresta Amazônica ainda não é valorizada. Salvo por algumas inciativas, que criam fissuras no cenário e ajudam a vislumbrar o que poderá ser o futuro da floresta se o país tomar juízo e fizer do combate ao desmatamento seu projeto nacional.
O Pará – líder histórico no desmatamento – já começa a mostrar sua outra face. O estado já é o maior fornecedor nacional de chocolate de origem para o mercado de produtos gourmet, com terroir reconhecido, variedade de amêndoas e tecnologias inovadoras de manejo e produção.
Lembrando que o cacau é uma planta amazônica, levada para a Mata Atlântica, onde fez fama e fortuna no passado. E agora faz o caminho inverso, abrindo fronteiras econômicas e perspectivas de inclusão e renda na floresta.
A borracha extraída dos seringais do Norte – e que embalou sonhos e guerras –, hoje está sendo redescoberta dentro de uma nova lógica de produção, com experiências que apontam para o comércio justo e aprimoramento da matéria-prima.
A copaíba da Calha Norte, produzida por quilombolas e extrativistas, abastece fina indústria de aromas da Europa. De fácil processamento, o óleo da copaíba amazônica pode ser alternativa na formação do eixo químico fluorine-xylo para cosméticos e produtos farmacêuticos, apontam pesquisas recentes.
Não se trata mais, portanto, de carência de modelos que nos permitam extrair mais valor da floresta.
Diversos testes, estudos e pilotos com amplo reconhecimento científico comprovam que o uso da floresta de modo racional para seu aproveitamento econômico é mais lucrativo que a pecuária de baixa produtividade que impera na Amazônia. Uma pecuária extensiva, predatória, não planejada e que serve principalmente às expectativas de regularização fundiária de terras públicas e aos incentivos financeiros ainda oferecidos à atividade. Certo é que esse gado, de pegada nefasta, acaba sendo abatido ali mesmo, nos frigoríficos da região, para posterior distribuição aos mercados nas cidades do Centro-Sul.
A solução para a floresta está nela própria
Temos uma iniciativa fundamental para o uso racional das florestas públicas amazônicas por meio de um sistema de concessões à iniciativa privada, mas que ainda não decolou. É preciso que ele dê certo por representar o melhor mecanismo de valorização das florestas da região em larga escala da história. A sociedade tem de investir nesse modelo como uma estratégia central no combate ao desmatamento. Em suma, é criar um modelo robusto para que a floresta gere economia sem destruição.
Críticos ao sistema de concessões alegam que seria preciso grandes incentivos fiscais e econômicos para que ele vingue, devido à enorme competição com os produtos florestais gerados de maneira ilegal. Mas qual o problema em termos incentivos econômicos e fiscais a esse setor?
O setor de plantações no Brasil tomou impulso a partir de grandes incentivos fiscais concedidos pelo Estado brasileiro desde a década de 1970. O setor da pecuária na Amazônia, nem se fala. Uma estimativa, grosso modo, aponta que, pelo menos, R$ 10 bilhões foram investidos na pecuária na região apenas por meio do fundo constitucional FNO desde 1989. O governo financiando o corte de floresta tropical.
Mas mudar o curso da história da exploração e ocupação destrutivas na Amazônia requer um projeto de Estado – incluindo governos em todos os níveis e os poderes constituídos –, uma vontade política contundente e uma vocalização clara para a sociedade. Tudo o que não temos hoje. São muitos os sinais dados ao mercado ilegal de que o crime pode compensar. Em 2012, o Congresso Nacional aprovou uma lei florestal que permite que se desmate floresta nativa do Brasil. Sim. O país mais florestal do mundo deixa que interesses particulares coloquem por terra o maior ativo econômico natural de que dispõe. Legalidade e ilegalidade se mesclam na paisagem. O fim é o mesmo: cortar, especular, grilar, vender. E o esquema de controle do desmatamento legal ou ilegal falha em ambos os casos.
Uma primeira falha é a de responsabilização. Como não há um ordenamento fundiário completo desses biomas – um mapa dizendo exatamente para que cada trecho de terra se destina e quem são os responsáveis pelas terras privadas –, não se consegue chegar a quem é culpado pelo desmate.
A legislação fundiária brasileira é confusa, inspirada ainda no modelo Colonial. É preciso analisar longas cadeias dominiais para chegar a quem de fato é dono da terra e só aí poder cobrar por seu mau uso.
* Marco Lentini é líder de Florestas do WWF-Brasil; Jaime Gesisky é especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil
Publicado originalmente no dia 21/10/2016, no Blog do Planeta, da Revista Época