MICHEL SCHLESINGER
A convivência harmoniosa entre árabes e israelenses só será conquistada por meio de empático diálogo, construído por uma educação para a paz |
Em poucas semanas, a eventual criação de um Estado palestino será discutida na Assembleia Geral das Nações Unidas. O pleito suscitará, sem qualquer dúvida, uma enxurrada de artigos a serem publicados pela imprensa internacional, especulando sobre a legitimidade da pretensão palestina e sobre a adequação do momento e do instrumento escolhidos.
Desde o assassinato de Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro de Israel, em 1995, pouco se avançou no processo israelo-palestino de paz. Pelo contrário.
Nos últimos anos, a direita israelense se fortaleceu e a liderança palestina se dividiu. Foi constituído o quarteto para o Oriente Médio, formado por Rússia, Estados Unidos, União Europeia e ONU; apesar de sua imensa representatividade, pouco contribuiu para o avanço de tais negociações.
Recentemente, ônibus israelenses foram atacados por terroristas perto da fronteira do Egito. O extremismo de todos os lados terá de ser enfrentado com coragem. A maior parte dos israelenses, judeus e não judeus, assim como a maioria dos palestinos, quer apenas viver em condições de segurança e normalidade.
Quando vistos sob a perspectiva da história, muçulmanos e judeus viveram muito mais momentos de aproximação do que épocas de distanciamento. Assim foi, por exemplo, na chamada idade de ouro do judaísmo. Entre os séculos 8 e 15, muçulmanos, judeus e cristãos viveram em harmonia na península Ibérica medieval.
Ainda hoje, as discussões são políticas, nunca religiosas. A religião é acionada, algumas vezes, de forma dissimulada, para justificar aquilo que os interesses políticos pretendem conquistar.
Religião alguma prega a destruição ou a morte. Cânones judaicos, muçulmanos e cristãos valorizam a vida acima de tudo.
A escolha da Congregação Israelita Paulista de comemorar os seus 75 anos de existência com a apresentação de um coral multiétnico, formado por jovens cristãs, muçulmanas e judias, é uma demonstração de seu compromisso de olhar as dificuldades da realidade à sua volta com coragem.
O projeto “Voices of Peace” já seria uma conquista caso tratasse apenas de jovens de religiões diferentes que cantam junto em uma sociedade em conflito. No entanto, o projeto do qual esse coral faz parte é bem mais amplo.
Trata-se de uma visão segundo a qual superamos conflitos por meio de uma educação para a paz.
Essas crianças, que têm a oportunidade de conviver com colegas de outras religiões e etnias desde pequenas -num país em que isso é quase uma exceção-, crescerão muito mais equipadas para viver em uma sociedade plural.
É dessa forma emblemática que se decidiu celebrar as sete décadas e meia de uma congregação que vê na postura crítica e no diálogo os grandes legados do povo judeu.
O filósofo Martin Buber (1878-1965) defendia que apenas nas interações do tipo “eu-tu”, em oposição ao “eu-isto”, deixamos de enxergar o outro como mero objeto para a conquista dos próprios objetivos e passamos a escutar as vozes alheias. Penso que é somente nas relações dialógicas que temos a oportunidade de superar preconceitos e de construir um caminho compartilhado.
A convivência harmoniosa entre árabes e israelenses será conquistada apenas por meio de um empático diálogo no estilo “eu-tu”, construído por meio de uma corajosa educação para a paz.
MICHEL SCHLESINGER, 34, advogado formado pela Faculdade de Direito da USP, é rabino da Congregação Israelita Paulista, ordenado pelo Instituto Rabínico Schechter, de Jerusalém.
fonte: Folha de Sp