Brasil e Argentina apostam que a entrada da Venezuela no Mercosul, um longo processo que começa nesta terça-feira, em Brasília, dará sobrevida a um bloco em declínio por obra de seus próprios fundadores.

O último round de medidas protecionistas adotadas pelo governo argentino e revidadas pelo brasileiro fez estragos e acelera a perda de importância do Mercosul na exportação total de seus sócios.

No caso do Brasil, a queda das vendas ao bloco (14%) neutralizou a pequena alta na exportação global. O mesmo ocorreu na Argentina.

Ao imbróglio junte-se a insatisfação dos sócios menores e a paralisia nas negociações comerciais extrabloco.

É neste cenário que Brasília e Buenos Aires defendem a inclusão da Venezuela exibindo o superavit do bloco com o país de Hugo Chávez, de US$ 4,8 bilhões em 2011.

Dizem que o novo sócio justifica o uso da crise no Paraguai, provocada pelo impeachment sumário de Fernando Lugo, como atalho para driblar o não do Senado do país à entrada venezuelana.

A adesão pagaria o custo político da manobra cujas consequências legais estão por se ver, principalmente após o provável retorno paraguaio com as eleições de 2013.

“Muitos vão tentar passar a ideia de sobrevida, de que, apesar das dificuldades, o Mercosul está se expandindo”, afirma João Augusto de Castro Neves, da consultoria Eurasia Group.

“É uma falsa impressão”, segue, dizendo que a expansão horizontal (inclusão de países) não resolve “perenes problemas verticais” (nível da integração), como exceções na Tarifa Externa Comum e barreiras protecionistas no comércio intrabloco.

“Há uma nova linha de Tordesilhas nas Américas. O Mercosul e os bolivarianos protecionistas e a Aliança do Pacífico [Peru, Colômbia, Chile e México] liberalizante.”

A maior parte dos analistas também vê a presença de Chávez nas próximas mesas de negociação do Mercosul como um complicador, interna e externamente.

Editoria de Arte/Folhapress

PETRÓLEO E MÁQUINAS

O Brasil rebate o que chama de “argumentos conservadores na praça”, como o de que ficará ainda mais difícil fechar acordo de livre-comércio com a União Europeia.

Brasília diz que o que trava o acordo é a baixa capacidade da Europa em crise de ceder em agricultura, e não idiossincrasias futuras de Chávez, que nem tem agricultura ou indústria a proteger.

“Não atrair o país dono das maiores reservas de petróleo do mundo com um mercado consumidor promissor seria erro de inserção geopolítica em qualquer parte”, diz Pedro Barros, chefe da missão do Ipea na Venezuela.

Barros diz que o novo status vai ajudar o Brasil a ganhar fatias de mercado de manufaturados hoje com EUA e China. “Apesar de termos restrições políticas, para a indústria exportadora é bom”, diz Celso Casale, da Câmara de Implementos Agrícolas da Abimaq, associação do setor de máquinas do Brasil.

Mais que comércio, o economista do Ipea fala de integração produtiva. Ele apresentou aos governos brasileiro e venezuelano, na quarta-feira, um estudo sobre o potencial de dois setores: petroquímico e de coque (combustível sólido derivado do petróleo).

O embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilién Sánchez, endossa e defende o investimento lá: “A energia é barata e há matéria-prima. Para o norte do Brasil, a Venezuela é mais perto que o sul do país. Há também essa equação de lógica de custo”.

No caminho até o investimento de fato há o “risco Chávez”, que injeta cautela nos empresários e incerteza nos projetos. É difícil imaginar parceria em petroquímica, por exemplo, sem a Petrobras, que se reduziu ao mínimo na Venezuela. A principal parceria produtiva bilateral, a aliança Petrobras-PDVSA para a refinaria de Pernambuco, jamais decolou.

 

FLÁVIA MARREIRO

fonte: Folha de S. Paulo