Autoridades e sindicatos americanos dividem-se sobre os resultados e as motivações da forte expansão do ensino pela internet no país
O escritor Jack London era o assunto na aula online de Inglês 3 do jovem Daterrius Hamilton. Em uma sala de ensino médio cheia de computadores, ele leu uma breve biografia de London, com trechos de um só parágrafo das obras do autor. Mas o currículo não o obrigou a mergulhar em uma cópia maltratada de “O Chamado da Selva” ou “A Fogueira”.
O estudante – que foi reprovado em Inglês 3 em uma sala convencional e esperava ganhar créditos online para se formar – foi questionado a respeito do significado de darwinismo social. Ele lançou a pergunta no Google e leu um resumo de um verbete da Wikipedia. Copiou o texto, revisou-o e enviou por e-mail à sua professora. Hamilton, 18, pertence ao crescente número de alunos que do jardim de infância até a 12ª série – mais de um milhão nos Estados Unidos – têm aulas online.
Os defensores destes cursos dizem que eles permitem às escolas oferecer não só aulas de recuperação, a área de maior crescimento, mas também variedade maior de disciplinas eletivas e aulas de “advanced placement” – cursos oferecidos a estudantes do ensino médio nos EUA que são geralmente reconhecidos como equivalentes aos de graduação – quando não há alunos suficientes para preencher uma sala de aula.
Mas críticos dizem que o ensino online é, na verdade, guiado por um desejo de gastar menos com docentes e estabelecimentos de ensino – em tempos de crise orçamentária federal e estadual forçando cortes em educação. Eles argumentam que não há pesquisas suficientes que mostram que os cursos online no ensino básico são comparáveis aos presenciais.
Em Memphis, em um dos programas virtuais mais ambiciosos do país, todo estudante tem de fazer um curso pela internet para se graduar. Alguns assistem a versões online de aulas lecionadas em salas do próprio prédio. Oficiais da Memphis City Schools – órgão municipal de supervisão das escolas locais – argumentam que querem preparar seus alunos, permitindo-lhes adquirir habilidades necessárias à faculdade, onde cursos via internet são cada vez mais comuns, e ao ambiente de trabalho do século 21.
Por outro lado, também é verdade que Memphis está gastando apenas 164 dólares para cada aluno matriculado num curso online. Administradores dizem que nunca fizeram uma comparação sistemática entre o custo deste tipo de educação versus a presencial. Contudo, céticos em todo o país dizem que esta modalidade de ensino é um meio furtivo de aparar arestas.
“É uma educação barata e que não beneficia os alunos”, disse Karen Aronowitz, presidente do sindicato de professores de Miami, onde 7 mil alunos do ensino médio foram designados a estudar online em laboratórios de informática neste ano porque não havia professores suficientes para atender ao número de turmas no estado. “Isso está sendo proposto até para alunos mais novos”, Aranowitz disse. “Porque é melhor para as crianças? Não. Só se trata de baratear”.
Em Idaho, o superintendente estadual de educação planeja exigir que alunos do ensino médio façam quatro ou mais cursos online, conforme projeto de lei que foi recentemente aprovado pelo Legislativo. A mesma lei prevê a doação de um notebook para cada aluno paga por uma reserva estadual dedicada ao salário de educadores.
Chicago e a cidade de Nova York apresentaram programas piloto de aprendizado online. Em Nova York, o projeto batizado como Innovation Zone, ou iZone, inclui aulas de recuperação e “advanced placement” em 30 escolas de ensino médio, além de exercícios personalizados em computadores de matemática e inglês para alunos do ensino fundamental.
Reza Namin, superintendente de escolas em Westbrook, Maine, que encara um déficit de 6,5 milhões de dólares no orçamento, disse que não podia continuar pagando um professor de idioma chinês apenas para dez alunos interessados. Entretanto, podia oferecer chinês online através do Virtual High School Global Consortium, uma escola sem fins lucrativos situada em Massachusetts. A instituição afirma que sua lista de escolas clientes aumentou 770, 34% em dois anos, na esteira dos cortes dos orçamentos locais.
Em todo o país, um número estimado de 1,03 milhão de estudantes do ensino básico fizeram um curso online entre 2007 e 2008, 47% mais do que dois anos para trás, de acordo com o Sloan Consortium, um grupo apoiador do ensino pela internet. Cerca de 200 mil estudantes frequentam integralmente escolas online – normalmente escolas licenciadas que atraem famílias adeptas do ensino doméstico, de acordo com outro relatório.
O crescimento ocorreu a despeito da revisão preventiva de pesquisas realizadas pelo Ministério da Educação dos EUA. O órgão identificou benefícios em cursos online para universitários, mas também concluiu que poucos estudos rigorosos foram feitos no ensino básico – e os legisladores “não têm evidência científica de eficácia” para este tipo de educação.
O crescimento mais rápido foi verificado nas aulas de recuperação para alunos que reprovaram o curso regular. Apoiadores dizem que os alunos entediados ou deixados para trás aprendem em seu próprio ritmo.
Em Memphis, a escola de Hamilton, Sheffield High, já foi qualificada como “fábrica de desistentes” com um índice de graduações abaixo dos 60%. Agora, o planejamento de 2011 tem o objetivo de formar 86% dos alunos, disse Elvin Bell, o “treinador de graduação” da escola. O aumento almejado deve-se em parte a um dia mais longo de aulas e cursos de recuperação para alunos que reprovaram nas aulas presenciais.
Sessenta e um alunos estão nessas aulas este semestre, incluindo Hamilton, cuja média em Inglês 3 está abaixo para aprovação. Melony Smith, sua professora online, disse que não reconheceu de imediato que sua resposta na tarefa sobre Jack London fora copiada da internet, mas disse também que o plágio era um problema para vários alunos.
Assim como outros debates educacionais, este contrapõe linhas ideológicas. O ensino básico online é advogado por grupos ligados a políticas mais conservadoras que defendem a ampliação da escolha das escolas. Um exemplo é a Bush’s Foundation for Excellence in Education, que convocou os estados a providenciarem “terminais de acesso à internet” a alunos e remover proibições de escolas virtuais sem fins lucrativos. Do outro lado estão os sindicatos de professores e outras entidades que argumentam que o apoio aos cursos online, como vouchers e escolas licenciadas, propõe canalizar o dinheiro de contribuintes para o setor privado. “O que querem é substituir professores por tecnologia”, disse Alex Molnar, docente de política educacional na Arizona State University.
Fonte: VEJA