Litoral Norte
Dinheiro do ICMS Ecológico enviado às cidades do Litoral Norte se dilui no caixa das prefeituras, que não priorizam ações ambientais
Bruno Guedes
Da Redação
O Litoral Norte está entre as regiões do Estado que recebem, proporcionalmente, os maiores repasses de ICMS Ecológico, verba que representa uma parte do dinheiro arrecadado com o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços. Esta fatia da arrecadação é repartida entre as cidades de acordo com o tamanho da área de preservação ambiental permanente que cada município possui.
Com unidades de conservação como os parques estaduais da Serra do Mar e de Ilhabela, de preservação da Mata Atlântica, e uma Área de Proteção Ambiental da costa (APA Marinha), os quatro municípios desse extenso pedaço do Litoral paulista ficaram, em 2009, com mais de 10% do total repassado a 185 cidades. O montante foi de R$ 7.943.597,58. A região só ficou atrás do Vale do Ribeira, onde 14 prefeituras receberam R$ 24,6 milhões.
Já de janeiro a setembro de 2010, as cidades de São Sebastião, Caraguatatuba, Ilhabela e Ubatuba receberam, juntas, R$ 6.930.756,32 referentes ao chamado Imposto Verde.
O dinheiro, entretanto, nem sempre éaplicado em ações municipais de preservação de meio ambiente. O repasse entra direto no caixa de cada prefeitura e dilui-se no orçamento.
A vinculação de qualquer verba proveniente de impostos em áreas de governo é inconstitucional. Porém, a criação da lei que instituiu o ICMS Ecológico, em 1993, objetivava justamente desenvolver um mecanismo legal que permita a destinação de parte do imposto para o fomento de atividades voltadas à preservação ambiental pelos municípios.
“É desejável que cada cidade destine esse dinheiro para o Meio Ambiente”, ressaltou o secretário de Estado de Meio Ambiente, Bruno Covas. O valor corresponde a apenas 0,5% do total de ICMS repassado por lei do Estado para as prefeituras. Parece pouco. Mas, considerando-se o orçamento limitado das quatro cidades, seria a oportunidade de priorizar a política ambiental, área que representa o ponto nevrálgico desta região litorânea, seja pela geografia acidentada, pela sazonalidade ou por abrigar um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica no Brasil.
Minoria
Em Caraguatatuba, a dotação orçamentária da pasta desta área não chega nem à metade do valor repassado ao município pelo Imposto Verde. No ano passado, a Secretaria de Meio Ambiente teve R$ 793.200 para executar suas atividades, representando 0,4% do caixa da Prefeitura. Acontece que, só de ICMS Ecológico, o repasse, apenas nos nove primeiros meses de 2010, ultrapassou R$ 1,7 milhão.
Com 14 funcionários, a Secretaria atua “mais com conceitos do que com a operacionalização” de serviços, afirmou a titular da pasta, Maria Inez Moura Fazzini Biondi.
“Resolvemos questões burocráticas de demandas do Ministério Público sobre passivos ambientais, desenvolvendo estudos e projetos; orientamos e fiscalizamos o trabalho das outras secretarias sobre a forma de executar (serviços de maneira ambientalmente correta) e fazemos programas de educação ambiental”, resumiu a secretária. Mudar a postura da população para uma consciência sobre a preservação, aliás, é o principal desafio da cidade, na opinião de Maria Inez.
“Com o início das operações da unidade de gás da Petrobras (neste semestre), perspectiva de duplicação da Rodovia dos Tamoios e ampliação do Porto de São Sebastião, a questão é latente”, opina.
A fiscalização em áreas protegidas, encostas e pontos passíveis de ocupações irregulares é feita pelo Ministério Público e pela Polícia Ambiental. Já a arborização da cidade fica por conta da Secretaria de Serviços Públicos, mas a de Meio Ambiente desenvolve projetos de recomposição de mata onde houve prejuízos por ação humana.
“O orçamento é bem reduzido. Conseguimos alguns financiamentos para nossos programas, como um que prevê a recuperação de sistemas de drenagem de águas pluviais (verba do Estado)”, ressaltou a secretária. Neste ano, a realidade não mudará: dos R$ 231,2 milhões de orçamento de Caraguá, só R$ 858 mil estão reservados ao Meio Ambiente.
Ubatuba: Exceção
A vizinha Ubatuba destina quase 15 vezes mais para o Meio Ambiente: do orçamento de R$ 165 milhões neste ano, R$ 12,3 milhões vão para a área. Mas Ubatuba é também o maior município do Litoral Norte em extensão e tem 83% de toda sua área dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, de preservação permanente da mata.
Tanto que a cidade é dona do maior repasse de ICMS Ecológico entre as cidades da região: R$ 2.688.207,00 em 2009 e mais de R$ 2,3 milhões entre janeiro e setembro do ano passado. É a quinta colocada em quantia recebida entre as cidades paulistas beneficiadas.
A estrutura, apesar do orçamento, é igualmente enxuta. A cidade tem dez funcionários em sua Secretaria de Meio Ambiente e os serviços são limitados.
A pasta não atua na fiscalização de crimes ambientais: apenas dá suporte, quando necessário, à polícia desta área. Assim como em Caraguá, avalia danos ao Meio Ambiente que viraram inquéritos civis e desenvolve projetos para repará-los.
A secretaria ambém atua com programas de educação ambiental nas escolas e nas praias e executa serviço de licenciamento. “O maior desafio é controlar as ocupações irregulares em áreas de encostas, regularizar ou remover as famílias que estão lá. Isso faz parte do Plano Municipal de Habitação, que está em estudo”, contou o engenheiro florestal Fernando Novais, técnico da secretaria. Nesta área, o Meio Ambiente também não atua: fica a cargo de outras secretarias.
ICMS Ecológico
Repasse (em R$)
Cidade
2009 2010*
Caraguatatuba 2.015.405,67 1.758.067,46
Ilhabela 1.655.893,59 1.444.758,65
São Sebastião 1.584.090,41 1.378.907,01
Ubatuba 2.688.207,91 2.349.023,20
Total Litoral Norte 7.943.597,58 6.930.756,32
* Apenas de janeiro a setembro de 2010
Fonte: Secretaria de Estado do Meio Ambiente
Estado quer triplicar ICMS Ecológico
O Governo do Estado analisa uma minuta (texto-base) de projeto de lei que triplica o percentual de ICMS Ecológico dentro do bolo repassado para os municípios todo ano. A proposta é passar o índice de 0,5% para 1,5%. Como a Constituição Federal impede a vinculação de imposto para qualquer área específica, a verba continuaria não sendo carimbada para o Meio Ambiente. Mas o objetivo do Estado, com essa ampliação, é também reforçar aos municípios a importância de repassar o dinheiro para as ações ambientais.Caso contrário, a lei resultará inócua, pois as Prefeituras continuarão diluindo o repasse noorçamento municipal.
Como Funciona
De todo o ICMS arrecadado pelo Estado, 25% são repassados aos 645 municípios, seguindo alguns critérios. O maior peso é o valor adicionado de cada município: 76% do valor total é dividido entre todas as cidades a partir de quanto cada uma gerou de imposto. Outros 13% são repassados proporcionalmente à população de cada município, em relação ao total do Estado. Cidades com mais moradores recebem mais.
Já 5% do bolo total é dividido de acordo com a receita tributária de cada município; 3% têm como base o percentual de área cultivada na cidade em relação à do Estado; 0,5% em relação à área total dos reservatórios de água destinados à produção de energia elétrica e 0,5% é distribuído conforme a área sob proteção ambiental. Outros 2% são divididos igualmente entre todas as cidades.
Faltam recursos para o Ambiente
Em São Sebastião, no Litoral Norte, ampliação do orçamento em 67,2% é insuficiente para suprir necessidades do setor, diz secretário
A área de Meio Ambiente em São Sebastião teve seu orçamentoampliado em 67,2% neste ano, passando de R$ 3,87 milhões em 2010 para R$ 6,47 milhões no exercício atual. Ainda é pouco dentro de um caixa de R$ 360 milhões, avalia o secretário de Meio Ambiente da Cidade, Eduardo Hipólito do Rego.
Para ele, o repasse do ICMS Ecológico à cidade, que só entre janeiro e setembro do ano passado foi de R$ 1,37 milhão, poderia ser reservado para suplementar o orçamento da pasta, que tem 30 servidores na ativa. “Posso dizer que, dos R$ 6 milhões, a maior parte é para custeio e salários. Sobram de R$ 700 mil a R$ 800 mil para investir em projetos. O orçamento é muito limitado para uma das secretarias que tem as maiores demandas”.
O município é o único do Litoral Norte e um dos poucos no Brasil que possui uma legislação municipal ambiental, promulgada em 1992, e um dos pioneiros na coleta seletiva de lixo, instituída nos anos 1980, assim como Niterói (RJ), São Francisco do Sul (SC) e Curitiba (PR).
Respaldada por esta lei, a secretaria fiscaliza as encostas e áreas preservadas e atua na remoção de construções em regiões onde a ocupação humana não é permitida. Mas para este problema de ocupação desordenada o maior deles, segundo o secretário , a Prefeitura dispõe de somente dez fiscais, de um corpo de 35 que existem “no papel”. Os demais, conforme Hipólito do Rego, foram se qualificando e assumindo cargos maiores no decorrer dos anos em outras secretarias.
“Estamos planejando um concurso público. Mas digo que se tivesse 100, seria pouco”, acha.
A dificuldade está principalmente na distância entre os bairros e na grande extensão da cidade. Com 403 quilômetros quadrados de área (a maior parte sob preservação permanente) divididos em bairros separados por serras, a Cidade tem apenas uma via para ir de um bairro a outro: a Rodovia Rio-Santos.
Vigilância E Carências
São Sebastião tem 52 núcleos habitacionais congelados, de moradias que estão em áreas de conservação, sob os quais a Administração deve manter vigilância para impedir a construção de novas casas.
A Secretaria de Meio Ambiente atua também na fiscalização a pontos de esgoto clandestino, na Divisão de Saneamento.”Essetambém éum problema sério. Somos a cidade com maior índice de coleta de esgoto, mas a que mais tem bandeiras vermelhas nas praias. É sinal de que tem ligação clandestina”.
E as irregularidades não vêm só de áreas carentes. “Nesta semana, por exemplo, a praia de Paúba, que sempre está própria para banho, recebeu bandeira vermelha. Vamos fazer operação caça-esgoto para ver o que está acontecendo. Já dá para ter ideia do problema: são condomínios de turistas que recebem muita gente natemporada e o sistema (de esgoto) não suporta”.
A sazonalidade, aliás, é outro revés e demanda atenção do Meio Ambiente. Em feriados, a população chega a quadruplicar, sobrecarregando a coleta de lixo, o saneamento e o trânsito. A secretaria também atua com educação ambiental e disciplinando a pesca.
Taxa Específica
Em Ilhabela, cidade com a me- nor população (28.176 habitantes), o menor orçamento do Litoral Norte e 85% de área sob preservação permanente, o valor destinado ao Meio Ambiente é o segundo mais generoso entre os quatro municípios. A área receberá R$ 9,7 milhões em 2011, valor correspondente a 8,1% dos R$ 120 milhões arrecadados pela Prefeitura.
O repasse de ICMS Ecológico mais de R$ 1,4 milhão só nos nove primeiros meses do ano passado – não é aplicado exclusivamente em políticas ambientais. Mas, conforme a Prefeitura, esta área recebe todo o dinheiro arrecadado com a Taxa de Preservação Ambiental (TPA), paga por todos os veículos que passam pela ilha. A arrecadação com a TPA no ano passado foi de R$ 2,2 milhões. A aplicação dessa verba é definida pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente.
Fonte: A Tribuna Digital