Agentes que trabalham na proteção de parques nacionais no Brasil ganharam um reforço inusitado: kits com gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha.
Os equipamentos foram adquiridos sem licitação pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes) por R$ 3 milhões.
A compra foi feita sob demanda –o dinheiro só é desembolsado à medida que os kits forem sendo adquiridos.
Mesmo assim, seu valor total é maior do que o orçamento de 308 das 310 unidades de conservação do país em 2010.
Para a primeira fase, de treinamento dos agentes, já foram gastos R$ 110 mil. Cada um dos 500 servidores do instituto que usam armas receberá um spray de pimenta para uso individual.
Também estão sendo comprados kits de uso coletivo, com lançadores, balas de espuma de impacto expansivo –um tipo menos ofensivo de bala de borracha–, sinalizadores luminosos e bombas de gás lacrimogêneo. Eles ficarão em Brasília e em “lugares mais críticos”, especialmente na Amazônia.
A fornecedora dos kits é a Condor Indústria Química SA, empresa do Rio e única no país especializada nesse tipo de armamento.
O contrato do ICMBio é o segundo maior da empresa neste ano –o primeiro, de R$ 7,6 milhões, foi fechado com o Ministério da Justiça.
TIROTEIO
O instituto justifica a compra dizendo tratar-se de uma medida para “reduzir o uso de armas de fogo”.
“Acho totalmente pertinente usar arma não letal. É uma incongruência expor a vida em área ambiental, onde nossa missão é protegê-la”, afirmou o presidente do instituto, Rômulo Mello.
Especialistas questionam a utilidade do gasto. Armas não letais, afirmam, são comuns em conflitos em área urbana, se é preciso dispersar multidões, por exemplo. Menos de dez unidades de conservação no país ficam dentro ou perto de cidades.
A possibilidade de uso dessas armas também é restrita, já que os agentes do ICMBio só têm poder de polícia dentro do parque ou num raio de 10 km em seu entorno.
“Não consigo perceber a utilidade disso”, disse à Folha a especialista em conservação Maria Tereza Jorge Pádua, ex-presidente do Ibama, que dirigiu os parques nacionais por 14 anos. “Bala de borracha e spray de pimenta eu nunca vi, nem no Brasil, nem nos países que eu frequento.”
“É estranho mesmo”, diz o ambientalista André Ferretti, da Fundação O Boticário.
Invasores de unidades de conservação, como madeireiros e caçadores, afirma Ferretti, usam armas de verdade. “Se você chega perto, o cara já te deu um tiro.”
João Paulo Capobianco, ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e primeiro presidente do ICMBio, diz que o destaque dado pelo órgão aos novos armamentos é “estranho”. “Se isso é uma operação normal não vejo problema mas, se isso traz um viés policialesco ao instituto, é muito ruim.”
SEGURANÇA
“Não estamos montando um grupo de controle de distúrbios”, diz o diretor de Proteção Ambiental do ICMBio, Paulo Carneiro. “É para o caso de a gente precisar sair de algum lugar onde os agentes estejam sob ameaça.”
Mello lembra um episódio recente em Lábrea (AM), onde quatro servidores precisaram ser retirados às pressas do escritório do instituto para não serem linchados pela população, segundo ele, incitada por madeireiros.
Fonte: Folha.com