Pesquisador critica a maneira como as autoridades ambientais estão tratando o assunto
Mais de 8,5 toneladas de peixes morreram por contaminação, e chuva ácida também é esperada. Pesquisadores classificam impacto como “devastador”.
O Corpo de Bombeiros mantém o combate a pequenos focos de incêndio que persistem nas bacias de contenção, que ficam no entorno dos cilindros atingidos pelo incêndio no pátio da Ultracargo, no complexo industrial da Alemoa, em Santos. O incêndio atingiu cinco dos 175 tanques de combustíveis.
Os moradores do bairro Alemoa, o mais próximo da unidade santista da empresa, puderam permanecer em suas casas, mas estão com medo. Além da fumaça escura, eles relatam o aparecimento de peixes mortos no rio Casqueiro, que corta a Alemoa e deságua na baía na Santos.
“Estão recolhendo tudo, mas a cada dia aumenta o número de peixes mortos que aparecem boiando”, conta Maria Lúcia Cristina Jesus Silva, presidente da Associação de Moradores do Alemoa. “O cheiro de peixe podre é muito forte.”
Um laudo da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) confirma o impacto ambiental do incêndio. Análises feitas em vários pontos de saída de água para o combate ao fogo indicam que peixes morreram devido à baixa oxigenação e temperatura elevada.
“A esses dois fatores soma-se a presença de combustível, constituindo as causas mais prováveis da mortandade de peixes ocorrida no estuário”, comunicou em nota nesta quarta-feira (08/04) Cetesb. A companhia informou à DW Brasil que recolheu 8,5 toneladas de peixes mortos.
Segundo a Cetesb, a medição feita na terça-feira no bairro Bom Retiro, a 3 km do local do incêndio, registrou qualidade boa, “indicando que a fumaça não está afetando a comunidade no entorno”. Questionada pela reportagem, a companhia negou que a poluição causada pelo fogo nos tanques de combustíveis possa estar sendo carregada para outro lugar.
“Na atmosfera, os poluentes estão presentes, mas ficam restritos à área do evento. No entorno, ou seja, num raio acima de 3 km (onde existem residências), o monitoramento da qualidade do ar feito pela Cetesb não acusa concentrações acima dos padrões legais, ou seja, não oferece risco à população”, respondeu a companhia por e-mail.
Poluição e chuva ácida
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São Vicente, Baixada Santista, discordam. “A direção dessas partículas depende da dinâmica atmosférica, em alguns momentos elas seguem na direção do mar, pairam sobre a Serra do Mar, ou sobre a cidade, por exemplo”, analisa Davis Gruber Sansolo, coordenador do laboratório de planejamento ambiental e gerenciamento costeiro.
O pesquisador critica a maneira como as autoridades ambientais estão tratando o assunto. “É de uma irresponsabilidade absurda. Eles preferem ter uma postura política de diminuir o problema sem mesmo ter consciência da dimensão. Deviam ter um diálogo sincero com a população e deixar claro que a dimensão do problema ainda não é conhecida.”
Além da mortandade dos peixes, outro efeito de curto prazo esperado por pesquisadores é a chuva ácida. “Como há queima de hidrocarbonetos, a reação que dá com a água na atmosfera precipita chuva ácida. A gente não sabe exatamente qual é a intensidade do impacto que a precipitação desses poluentes pode causar tanto na saúde humana como nos CORPOS d´água”, analisa Sansolo.
Parte dessas partículas já pode ter atingido o solo durante uma chuva que caiu na região no último sábado. Caso essa chuva caia sobre a Serra do Mar, muito próxima ao local, haverá impacto sobre a floresta, preveem os pesquisadores. “Mas tudo terá que ser monitorado ao longo do tempo. Os efeitos na água, no ecossistema e na recomposição dele”, pondera o pesquisador. “Mas os efeitos são devastadores.”
Região estratégica
A Baixada Santista tem um histórico de problemas ambientais. As principais fontes de poluição são as indústrias, o despejo de esgoto sem tratamento e as atividades no porto. Ao mesmo tempo, é um ponto estratégico para o país: liga todas as regiões produtivas do planalto paulista ao mundo.
O estuário, local de transição entre rio e mar, é um ambiente de reprodução de espécies marinhas. Em Santos, várias se multiplicam, principalmente nas áreas de mangue, para depois habitar a área marinha. O local também é um receptor da poluição provocada pelo incêndio.
Especialistas ainda não conseguem dizer o que pode acontecer no ecossistema a longo prazo. Segundo o Núcleo de Estudos sobre Poluição e Ecotoxicologia da Unesp, a poluição já iniciou um processo de mortandade total sobre vários organismos no estuário.
Ainda não se sabe o que provocou o incêndio no terminal da Ultracargo. O Ministério Público Estadual instaurou inquérito para apurar as responsabilidades e investigar os impactos ambientais causados.
Para a promotoria, a culpa da empresa é clara, mesmo que o fogo não tenha sido intencional. Por meio de nota, a Ultracargo informou que “assim que as circunstâncias permitirem, a empresa avançará na investigação para apurar as causas do incêndio”.
Fonte: DW