A descoberta de uma mutação genética (alteração no DNA) que tem o efeito de proteger contra o mal de Alzheimer pode ajudar cientistas na busca de uma droga contra a doença, que leva à perda de memória e à morte.
A pesquisa foi liderada pela empresa deCODE, da Islândia, que estudou as informações genéticas por meio de sequeciamento de DNA de 1.795 nativos do país-ilha.
Eles viram que a incidência de alzheimer era muito menor entre os portadores de uma mutação específica que funciona como uma proteção dos neurônios.
A alteração rara foi encontrada nesse gene (batizado pelos pesquisadores de APP), que contém a receita para a produção de uma proteína de função ainda mal conhecida.
No estudo da “Nature”, os autores descrevem como diferentes alterações nesse gene originam versões distintas de moléculas amiloides, umas mais nocivas que outras. Aquelas envolvidas no mal de Alzheimer são as beta-amiloides.
Essas moléculas, quando se unem em grandes quantidades, formam fibras que sobrecarregam e matam os neurônios de diferentes áreas do cérebro ocasionando a perda das capacidades de memória características do paciente com o mal de Alzheimer.
A mutação identificada pelos cientistas faz com que o cérebro consiga digerir as moléculas formadoras dessas fibras, impedindo que elas se agreguem. Com isso, a capacidade de memorização é mantida em níveis normais.
Em outras palavras, essa proteína precisa ser produzida e destruída de maneira adequada pelo organismo.
As células nervosas de pessoas sem a mutação benéfica apontada pelo estudo quebram a proteína de maneira “errada” por meio de uma enzima (chamada Bace-1). É como se os pedaços da proteína ficassem indigestos e acabassem se acumulando.
MUTAÇÃO PROTETORA.
Quem tem a mutação protetora é resistente a essa enzima. E é justamente disso que a indústria farmacêutica estava atrás.
“A busca de drogas contra a Bace-1 [a enzima que quebra de maneira inadequada as fibras, causando o alzheimer] já vinha ocorrendo nos últimos 10 a 15 anos, mas de forma lenta”, disse à Folha Kári Stefánsson, presidente da deCODE e cientista coordenador do estudo.
“Não havia uma prova de princípio mostrando que essa estratégia iria funcionar. Essa mutação fornece a prova que faltava”, conclui.
Outra descoberta embutida nesse estudo é um mecanismo biológico que liga o mal de Alzheimer à demência senil generalizada, que provoca falhas de memória em pessoas muito idosas.
Antes, acreditava-se que a doença não tivesse relação com o declínio de capacidades cognitivas no envelhecimento. Eram duas situações diferentes e desconectadas.
No entanto, os cientistas viram que a mutação do gene que protege contra o alzheimer também ajuda as pessoas com problemas de memória em idade avançada.
“Nossos resultados sugerem que a doença de Alzheimer com início tardio seria o lado extremo do declínio de funções cognitivas ligadas à idade”, afirma Stefánsson.
Segundo o cientista, estudar portadores da mutação também pode ajudar na criação de tratamentos.
“Podemos medir o nível de beta-amiloides [as moléculas que podem se acumular nos neurônios] no sangue dessas pessoas para saber quão longe é preciso ir em um tratamento antes de se verificar um efeito terapêutico.”
RENASCIDA DAS CINZAS.
A descoberta tem um sabor especial para Stefánsson, que conseguiu colocar a deCODE de novo na liderança desse tipo de pesquisa genética após a empresa passar por dificuldades na crise de 2008.
O braço americano da companhia pediu falência em 2009, e jornais noticiaram que a matriz islandesa deixaria de investir na pesquisa de drogas. Stefánsson nega que isso tenha passado por sua cabeça. “Não faria sentido para mim”, disse.
FONTE: RAFAEL GARCIA, DE WASHINGTON (www1.folha.uol.com.br).