Vandré Fonseca
30 de Agosto de 2012
Manaus, AM – Uma nova espécie de pássaro foi descoberta na Serra do Cipó, nos campos rupestres de Minas Gerais. A princípio, os pesquisadores pensaram ter encontrado uma população isolada do pedreiro (Cinclodes pabsti), que vive nas serras do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mas acabaram surpreendidos pelos resultados de exames de DNA, indicando que os passarinhos de Minas e do Sul são espécies distintas.
Realizado por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, o trabalho foi previamente publicado on-line no periódico IBIS, e em outubro deve chegar à edição impressa.
O Cinclodes espinhacensis* ou pedreiro-do-espinhaço é um passarinho grande, com cerca de 22 centímetros de comprimento. Tem a plumagem cor de chocolate, com a parte inferior beje e uma faixa amarelada sobre os olhos, assim como o primo das serras dos sul. A semelhança com o C. pabsti é tamanha que levou os autores a publicarem uma nota, em 2008, identificando o pássaro mineiro como uma população isolada de C. pabsti.
Os pesquisadores haviam se deparado com indivíduos, mas ainda não podiam confirmar se eles viviam e reproduziam na região ou estavam apenas dispersos, o que explicaria a presença deles tão longe do Rio Grande do Sul. Com base em fotografias, confirmaram que se tratava de um Cinclodes.
“Por indicação do herpetólogo Felipe Leite, fomos até à região da Serra do Breu. Lá, pela primeira vez encontramos uma população estabelecida propriamente dita, observamos vários indivíduos separados por territórios e se reproduzindo”, diz o ornitólogo Guilherme Freitas, autor principal do artigo. Ele conta que a Serra do Breu é um local especial, porque possui muitos afloramentos rochosos e é mais alta do que seu entorno.
Pássaro afeito à altitude
“Foram feitas coletas e comparações que reforçaram a hipótese levantada pelos pesquisadores. Mas ainda faltava um passo: convencer a comunidade científica.” |
A partir daí, a busca foi direcionada a áreas acima dos 1.500 metros de altitude. Eram locais distantes da MG-10, onde se concentra quase todo o conhecimento da biodiversidade da região, segundo Freitas. Mapas e informações de pessoas que conhecem bem a Serra do Cipó e arredores ajudaram na procura pelos pássaros. O biólogo Leonardo Ribeiro, foi um dos colaboradores. Ele mapeou as Canelas-de-emas gigantes nos altos de serra da região, uma planta que ocorre nas mesmas áreas do pedreiro-do-espinhaço.
Depois de confirmada a presença de uma população de cinclopes em Minas Gerais, os pesquisadores tinham ainda muito trabalho a fazer. “Nosso objetivo era verificar nossa hipótese de que a população do Espinhaço poderia ser considerada uma nova espécie, para isso precisaríamos coletar o máximo de provas para fortalecê-la”, recorda Freitas. Era preciso comparar a população recém-descoberta com espécimes mantidas em coleções de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belém.
Em 2009, “antes de irmos aos museus, o Anderson Chaves (um dos autores do artigo) adiantou a análise preliminar de DNA e dissemos que não era a mesma coisa”, conta Freitas. Depois, foram feitas coletas e comparações que reforçaram a hipótese levantada pelos pesquisadores. Mas ainda faltava um passo: convencer a comunidade científica.
Com a publicação em uma revista internacional, o reconhecimento da nova espécie pode agora ser apresentado ao Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos, vinculado a Sociedade Brasileira de Ornitologia, e responsável pela publicação da lista de espécies existentes no país.
Refúgio na Serra do Cipó
O pedreiro-do-espinhaço vive em uma área restrita de 490 quilômetros quadrados, na Serra do Cipó, em Minas Gerais, onde constrói ninhos em túneis abertos nas fendas das rochas. É muito comum vê-lo nos campos rupestres, acima de 1.500 metros de altitude, ciscando em busca de insetos, ou nas pedras, perto de reservatórios ou cursos d’água. “Ele gosta muito de água”, afirma o ornitólogo Guilherme Freitas, autor principal do artigo. Não é difícil também ouvir o canto e o grito desse pássaro, quando ele está empoleirado em arbustos, ou quando em voo.
O pedreiro do Sul havia sido descoberto em 1969 e já tinha surpreendido especialistas, já que as outras 14 espécies do gênero vivem nos Andes e Patagônia. De acordo com Guilherme Freitas, os pedreiros brasileiros são espécies relictuais, ou seja, vestígios da história natural da região. “É uma espécie que conta como foi a colonização destas montanhas”, afirma Freitas.
A Serra do Cipó fica a 90 quilômetros de Belo Horizonte, no sul da Serra do Espinhaço, na região central do estado. Uma região de grande interesse geológico – que teria surgido há cerca de 1,7 bilhões de anos – e que atrai turistas. Em 1987, foi criado um Parque Nacional da Serra do Cipó, com 31 mil hectares.
Riqueza para pesquisas
Guilherme Freitas faz parte de um grupo que está justamente comparando as populações de aves restritas às montanhas brasileiras. A intenção é contar a história da colonização destas áreas pelas aves e como ocorreu o isolamento de várias espécies. Essas áreas altas no território brasileiro são refúgios climáticos, onde ficaram isoladas diversas espécies de aves, assim como muitas outras espécies de plantas e animais.
Os pesquisadores acreditam que há milhares de anos, quando o clima da região era diferente, havia uma vegetação que favorecia o contato entre essas montanhas.“O pedreiro-do-espinhaço corrobora esses padrões biogeográficos e reforça a importância do Espinhaço como antigos refúgios de táxons que hoje apresentam-se com grande diversidade nos Andes”, afirma Freitas. Táxons são as unidades usadas para a classificação científica, como espécie, família ou gênero.
Os pesquisadores continuam a estudar o pedreiro-do-espinhaço. Eles estão utilizando radiotelemetria para acompanhar indivíduos no campo, para obter informações sobre a população, habitat, reprodução e saber também se esta população isolada tem condições de sobreviver. “É uma espécie que já foi descoberta com uma população conhecida muito pequena e consequentemente ameaçada de extinção, talvez em processo natural de extinção”, diz Freitas.
* Declaramos que este texto não tem nenhuma intenção de ato nomenclatural, Artigo 8.2, ICZN. O nome científico da nova espécie ainda aguarda a publicação impressa para ser proposto oficialmente.
fonte: ((o)) eco