Por Lucas Matheron*
Mais do que nunca, esse lema nascido no início desse século com a figura emblemática do francês José Bové na sua militância antiglobalização se inscreve na atualidade. À margem das negociações internacionais em que as grandes corporações ganham cada vez mais poder, existem as negociações secretas, ou “às portas fechadas”, que visam, deliberadamente desta vez, outorgar mais poderes ao setor das corporações multinacionais, buscando cada vez mais tornar os recursos naturais do planeta em mercadorias, ou seja, em lucros.
Embora com uma abrangência muito maior, uma dessas negociações é o TPP[1], o Acordo Trans-Pacífico na sigla em inglês, que, com o aval de governos e alavancado por eles, visa dar mais poderes às corporações passando, inclusive, por cima dos direitos constitucionais nacionais, até mesmo nos Estados-Unidos. Um artigo[2] do The Guardian diz que mesmo os membros do Congresso americano têm um acesso ‘limitado’ às informações.
Iniciado em 2002 no âmbito da APEC[3] (na sigla em inglês), bloco econômico que conta com 21 membros, o TPP reuniu quatro países (Chile, Nova-Zelândia, Singapura e Brunei) que firmaram, em 2006, um primeiro tratado com vistas à organização do livre-comércio entre si, embora este já fosse um objetivo da própria APEC. Sob a pressão das grandes corporações e do mercado financeiro, que anseiam por mais autonomia, mais liberalismo e, no fim, mais poder, as negociações paralelas foram tomando corpo e, em 2010, mais cinco países entram nessa roda de negociações paralelas; são eles: Austrália, Malásia, Peru, Estados-Unidos e Vietnam. Portanto, à margem da APEC, mas também da OMC onde as negociações são mais “duras”, os grandes grupos privados estão fazendo lobbying para passar por cima das leis que as sociedades colocam, às duras penas, em prol de um mundo mais justo e mais equilibrado.
E foi um retrato dessa “nova governança” que observamos na última cúpula do clima, a COP-19, em Varsóvia, onde ao lado das negociações estéreis sobre reais medidas para enfrentar a crise climática planetária, vimos o governo organizador da Conferência, a Polônia, resolver abrir espaço nas negociações aos representantes do setor privado mundial, notadamente às maiores companhias do setor de energias fósseis (carvão, gás, petróleo e automóveis). Além dessa abertura foi organizado, no âmbito mesmo da COP, uma “Cúpula Mundial sobre Carvão e Clima” convidando os países em desenvolvimento a utilizarem as novas tecnologias do carvão.
Ou seja, ao invés de procurar reduzir as emissões, busca-se aumentar o problema para que os novos mercados “verdes” continuem sua expansão, entre outros o famigerado mercado de carbono.
É assim que assistimos à mercantilização da natureza, ao assalto do mercado financeiro à natureza, criando mecanismos que agregam valor à poluição, pois, afinal, lá na outra ponta, essa poluição gera negócios milionários, dificilmente controláveis, fonte ideal para negócios escusos e enriquecimentos vultosos. Muitas organizações se mobilizaram na Europa e no mundo para denunciar esse controle do setor privado sobre as negociações da COP, bem como atualmente na questão do TPP , que está numa fase crucial de negociações, graças a uma denúncia do WikiLeaks que divulgou um esboço do acordo referente ao capítulo sobre propriedade intelectual em novembro passado[4]. Essas revelações deslancharam uma onda de protestos ao redor do mundo, notadamente uma petição da Fundação Avaaz[5] que está alcançando 1,5 milhão de assinaturas em poucos dias.
Infelizmente, no Brasil, talvez devido à crise social e política interna, existem poucas repercussões desses acontecimentos na imprensa. A Aliança RECOS (Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras) vem observando os avanços do mercado sobre os recursos naturais há quase duas décadas através da sua fundadora[6], exímia conhecedora das “sutilezas” dos mercados financeiros e professora emérita em engenharia financeira, denunciando a dinâmica de financeirização da natureza, apontando pela absurdez da concessão de “direitos para poluir” que é o mercado de carbono. Numa matéria recente[7], Amyra denuncia a tomada das negociações sobre o clima pelas corporações e o mercado financeiro, mas também frisa que qualquer tentativa de mercantilização da natureza é inconstitucional no Brasil de acordo com o artigo 225 da Constituição Federal que estabelece que o bem ambiental é “de uso comum do povo” tendo-se apenas o direito de usá-lo, cabendo aos seus usuários garantir esse direito às futuras gerações.
Desde a elaboração do Protocolo de Kyoto, em 1997, vários “mecanismos” foram avançados no intuito de compensar as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, ao invés de se concentrar sobre a única solução viável: a redução! Essa “lógica”, que promove a implementação dos “direitos para poluir”, foi objeto de lobbying por parte do setor privado desde então; o REDD, como é chamado, é um dos mais recentes desses mecanismos de “economia verde” que tendem cada vez mais à financeirização e a mercantilização da natureza, como está acontecendo no estado do Acre com o apoio do governo acreano. Cabe, portanto, ao povo brasileiro tomar consciência das jogadas políticas e mercantilistas na escala mundial, se organizar, e pressionar seus políticos para fazer valer seus direitos constitucionais a fim de proteger as riquezas naturais do país e mostrar que a natureza não é uma mercadoria.
Notas:
1 Trans-Pacific Partnership: http://fr.wikipedia.org/wiki/
2 “The Trans-Pacific Partnership treaty is the complete opposite of ‘free trade'”:
3 Asia-Pacific Economic Cooperation: http://www.apec.org/
4 WikiLeaks: http://www.wikileaks.org/
5 “Antes que a Monsanto estoure a champagne”: https://secure.avaaz.org/po/
6 Amyra El Khalili: http://lattes.cnpq.br/
7 El Khalili, Amyra. “A Captura Corporativa da COP19”: http://port.pravda.ru/mundo/
Lucas Matheron* é francês radicado no Brasil (1985), ambientalista, tradutor e parceiro da Aliança RECOS desde sua fundação.
www.lucas-traduction.trd.br