Giovana Girardi
É o que ele falou que são os compromissos assumidos pelo País junto ao Acordo de Paris; desde terça-feira, Maggi disse que a agricultura brasileira é a mais sustentável do mundo, minimizou o impacto que o setor tem sobre as emissões de gases de efeito estufa e disse que mortes de ativistas ambientais no campo são “problema de relacionamento”
MARRAKESH – Em meio à Conferência do Clima da ONU, que busca mostrar os caminhos para o combate às mudanças climáticas, e participando de um evento para discutir como a agricultura pode participar disso, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse nesta quinta-feira (17) que o setor não vai cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa a não ser que alguém, que não o próprio setor, pague por isso.
Ministro Blairo Maggi recebe do Engaja Mundo colar de “pérolas mággicas”, em referência às frases polêmicas que ele tem dito. Disse depois que não entendeu por que ganhou o colar e que o daria para a filha
Chamando os compromissos assumidos pelo País junto ao Acordo de Paris de “intenção”, Maggi causou furor entre ambientalistas que acompanham a conferência. O que no começo parecia uma presença bem-vinda, por sinalizar que a agricultura está no mesmo barco que o ambiente nos esforços brasileiros de lutar contra o aquecimento global, tem gerado constrangimento.
Desde terça-feira, Maggi disse que a agricultura brasileira é a mais sustentável do mundo, minimizou o impacto que o setor tem sobre as emissões de gases de efeito estufa e disse que mortes de ativistas ambientais no campo são “problema de relacionamento”.
Os comentários levaram o Observatório do Clima a elaborar uma carta rebatendo ponto por ponto. E no evento desta quinta, a ONG jovem Engaja Mundo deu de presente ao ministro um colar com o que eles chamaram de “pérolas mággicas”, em referência às falas de Maggi.
No debate, promovido pela Coalizão Clima, Florestas e Agricultura, estavam presentes representantes do Banco Mundial, da Convenção do Clima da ONU, e da Climate Policy Initiave (que financia ações de combate às mudanças climáticas), que foram elogiosos sobre os avanços que o Brasil teve nos últimos anos ao reduzir suas taxas de desmatamento e disseram que o mundo olha para o País buscando exemplo de atuação nas áreas de agricultura e floresta. Também estava na mesa, no começo do evento, o ministro Sarney Filho (Ambiente), que chefia a delegação brasileira.
Hotel vazio. Maggi aproveitou o reconhecimento para dizer que o custo disso para o setor é alto. Em outros eventos em Marrakesh ele já havia comparado a Reserva Legal, prevista na lei florestal do País – e que estabelece que uma porção das propriedades rurais brasileiras tem de ser preservada –, com um hotel que não pode ser todo ocupado. Segundo ele, é como um hotel que tem cem quartos, mas só pode comercializar 20, se referindo aos 80% de proteção prevista em fazendas na Amazônia.
Nesta terça, ele disse apoiar que o setor contribua com o combate às mudanças climáticas, mas se queixou dos custos de cumprir as metas brasileiras de recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e 12 milhões de hectares de florestas.
“Posso dizer isso com toda tranquilidade, já disse isso em outras reuniões, nós não temos condições financeiras, monetárias, de levar adiante a intenção que o Brasil colocou. Eu gosto dessa palavra: intenção. A intenção que o Brasil assumiu perante o mundo não pode ser obrigação do produtor brasileiro, tem de ser a intenção do produtor brasileiro também. Tenho certeza de que não vamos nos furtar a ajudar a fazer, mas precisamos de financiamentos, de oportunidades, para que os produtores possam fazer.”
Nos seus cálculos, que não explicou exatamente como foram feitos, Maggi afirmou que o custo dessas ações seria de “40 a 50 bilhões de dólares”.
No ano passado, como contribuição ao Acordo de Paris, o Brasil apresentou uma meta total de redução de emissões, de 37% até 2025 e 43% até 2030, e entregou anexada uma lista de ações que poderiam ser tomadas para atingir esses valores. Entre elas, estão as duas citadas pelo ministro, mas também o fim do desmatamento ilegal e investimentos em energias renováveis. Ao ratificar o acordo, no entanto, a meta brasileira vira lei internamente. E o que eram metas pretendidas ou INDCs – contribuições nacionalmente determinadas pretendidas – viraram, simplesmente, NDCs (contribuições nacionalmente determinadas). A lista de ações que entrou como um anexo de fato não chega a ser obrigatória, mas é a linha que o País propôs seguir.
Questionado pelo Estado sobre isso, respondeu: “É intenção. Não é a agricultura e a pecuária que tem de pagar essa conta. As metas são metas gerais que o Brasil colocou e ali deu uma indicação de por onde pode sair, mas se não cumprir através de reflorestamento ou de melhoramento de pastagem, vai ter de fazer em outro lugar. Não é obrigação da agricultura. Não queiram pendurar essa conta no setor agrícola sozinho.”
Na carta do Observatório do Clima, que foi entregue ao ministro durante o evento, os ambientalistas questionam os números do ministro. “Num cálculo simples, US$ 40 bilhões até 2030 (prazo das ações contempladas na NDC) equivalem, utilizando-se uma taxa de câmbio de R$ 3,2, a pouco menos de R$ 10 bilhões por ano em 13 anos. Apenas em 2016 o Plano Safra destinou R$ 202 bilhões ao financiamento do setor agropecuário, cuja inadimplência histórica média é de cerca de 5%. Somente o custo de equalização dos juros do Plano Safra, em julho de 2015, atingiu R$ 13,4 bilhões. Ou seja, mesmo admitindo que a estimativa do ministro Blairo Maggi esteja certa, haveria dinheiro para bancar a NDC. Bastaria, para isso, que os agricultores pagassem suas dívidas.”
No documento, os ambientalistas lembraram também a contribuição do setor com as emissões brasileiras. Com base no último levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima, “a atividade agropecuária respondeu, em 2015, por 69% das emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil, quando contabilizadas as emissões diretas e indiretas, em especial o uso final das terras desmatadas”, escrevem.
Mortes no campo. Outro ponto que caiu mal na plateia foi uma declaração sobre mortes no campo que Maggi fez na quarta-feira após ouvir estatísticas de que o Brasil é o país onde mais se mata ambientalistas. “Nós temos conflitos, sim, no Brasil, não podemos negar. Mas eles não são dessa forma. Existem muitas brigas, muitas coisas que acontecem que são ditas, que são relacionadas a briga de terra, a briga por posse da terra, a briga por questões ambientais. Mas quando você vai no cerne da questão, você vai ver que tu tem problema de relacionamento de pessoas de determinados lugares e que não pode ser computado nesta questão”, disse ao se apresentar no Global Landscape Forum, um dia dedicado à discussão sobre florestas.
Na carta, o Observatório do Clima lembrou dados da Global Witness, de que apenas em 2015 foram 50 mortes, um terço do total mundial – em sua maioria na Amazônia brasileira. Ao ler isso na carta, Maggi ironizou. “Fico feliz em saber que de ontem para hoje morreram menos 150 ambientalistas, porque ontem ouvi que eram 200 por ano e agora diz aqui que foram só 50.”
* A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade
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