Com 1.300 cabeças de gado, Querino de Marchi, fazendeiro de Lábrea (AM) poderia se considerar um homem realizado, principalmente para quem saiu do interior de São Paulo há mais de trinta anos sem dinheiro algum.

O sucesso econômico, no entanto, não trouxe tranquilidade. O título da área que ele comprou está sendo contestado pela Justiça. E, ainda por cima, ele desmatou mais do que os 20% permitidos hoje na Amazônia. Se não reflorestar, pode perder a fazenda.

“Se o povo do Ibama, Incra tivesse orientado como seria a mata, ninguém tinha feito todo esse terreno não. Eu ia aproveitar a madeira e ia ficar a mata beleza, que ia me dar o mesmo lucro do boi ou mais. Só que hoje não tenho mais recurso para isso. Como vou reflorestar tudo isso aqui? Não tenho recurso”, conta De Marchi.

Empurrados
Essa é a história comum a muitos criadores de gado da Amazônia. Eles dizem que foram empurrados para o desmatamento: nas décadas de 70 e 80, quem não abria pasto, não recebia título de propriedade.

Em Boca-do-Acre, também no Amazonas, 80% das fazendas de gado estão irregulares. O município já foi uma terra sem lei. Os pecuaristas chegavam, compravam uma posse, ocupavam uma terra pública, desmatavam sem respeitar qualquer limite. Mas os tempos são outros, muitos fazendeiros receberam multas pesadas e estão sendo pressionados a se legalizar. Sem alternativa, eles decidiram negociar com o governo.

Ao todo, 132 fazendeiros aderiram ao “Boca do Acre legal”, projeto que tenta pôr ordem nas propriedades de um município devastado por pastagens.

Gilvan Onofre Souza, presidente da Associação dos Pecuaristas de Boca do Acre diz o que pede ao governo: “Nos perdoe os crimes que cometemos porque não foi de propósito. Os fazendeiros se comprometeram a recuperar os danos que causaram”, relata.

“Vamos reflorestar margens de igarapés, nascentes que a gente está vendo que cometemos um erro grandioso nesse sentido”. Hoje, além das multas, existe a pressão do mercado, que rejeita produtos que venham de áreas desmatadas da Amazônia.

“O mundo pede pra você ser legal hoje. Como é que nós vamos vender boi sem estar legal?” questiona o pecuarista Lincoln Fioreze.

A solução pode estar no aumento da produtividade. Em Tomé-Açu (PA), o pecuarista Mauro Lúcio de Castro Costa consegue 415 quilos de carne por hectare contra uma média de apenas 120 na região. Ele usou todas as técnicas já conhecidas para enriquecer o solo pobre da Amazônia.

“Você tem um pasto de boa qualidade e uma das coisas muito importantes no solo é a matéria orgânica. Quando você trabalha com sobra de capim, vai apodrecendo e vai virando matéria orgânica para o solo, você consegue ter todos os micronutrientes”, explica.

Recuperação
Agrônomos e ambientalistas estão convencidos de que a recuperação de pastagens degradadas é a solução para conciliar a produção de carne e leite na Amazônia com a preservação da floresta. Uma das técnicas é integrar lavoura com pecuária, por exemplo plantando o capim junto com milho. A lavoura do milho é que vai pagar a adubação e o pasto vai crescer depois da colheita, a um custo bem mais baixo.

“Se todo mundo resolvesse recuperar pastagem degradada, você no mínimo conseguiria dobrar ou até triplicar a produção de carne e leite da região amazônica, sem a necessidade de derrubar uma só árvore.” afirma Moacir Dias filho, agrônomo da Embrapa.

Globo Amazônia