Contudo, questões de política externa – como o Brasil no Conselho de Segurança da ONU e a relação do país com o Irã – também devem ser tratadas
Apesar de a visita do primeiro presidente negro dos Estados Unidos à primeira presidente mulher do Brasil ser marcada por simbolismos e uma expectativa de estreitamento nas relações diplomáticas, a Casa Branca enfatizou nesta semana que o principal objetivo da viagem de Barack Obama é econômico. “A viagem é fundamentalmente sobre a recuperação dos EUA, as exportações do país e o papel crucial que a América Latina tem em nosso futuro econômico e nossos empregos”, disse Mike Froman, vice-conselheiro nacional de segurança para temas de política econômica internacional, em um briefing.
De acordo com um comunicado emitido pelo governo americano, Estados Unidos e Brasil compartilham “uma das mais importantes relações econômicas e comerciais do mundo”. “O Brasil é o nosso décimo maior parceiro comercial. As exportações de produtos e serviços americanos ao país em 2010 são estimadas em mais de 50 bilhões de dólares, criando 250.000 empregos”, diz a nota, ressaltando ainda que o Brasil é a sétima maior economia do globo. Por isso, a Casa Branca pretende estreitar as relações econômicas com Brasília, discutindo até um tratado que pode, no longo prazo, levar a uma abertura de mercados.
Entre os temas econômicos, os maiores interesses americanos no Brasil estão nos setores de energia e de infraestrutura. Uma comissão de 60 especialistas – entre empresários e políticos – vem ao pais para conhecer de perto as duas áreas e investigar como os EUA podem se beneficiar dessa relação.
Washington vê com bons olhos a descoberta e a exploração das reservas do pré-sal. O país deseja fornecer maquinário e serviços à indústria de petróleo do Brasil. Também pretende obter um compromisso de compra do produto brasileiro no futuro, diminuindo a dependência do petróleo extraído no Oriente Médio e no Norte da África.
Além da commodity, os EUA e o Brasil devem discutir fontes de energia renovável e biocombustíveis. Os americanos têm particular interesse na avançada tecnologia brasileira nesta área. Contudo, também há problemas, já que eles renovaram a tarifa de importação do etanol no ano passado. Além disso, o país subsidia a sua produção de etanol de milho.
“Este é, provavelmente, um dos grandes pontos de atrito. As políticas domésticas aqui nos EUA tornam extremamente difícil mudar os subsídios para os nossos produtores rurais. Não é impossível, mas é difícil”, disse ao site de VEJA Ted Piccone, pesquisador sênior do think tank americano Brookings Institution e um dos autores do livro Shifting the Balance: Obama and the Americas (“Mudando o Equilíbrio: Obama e as Américas”, em tradução livre).
Subsídios americanos a produtos agrícolas são, aliás, alvo constante de tensão entre os dois países. Em 2008, a Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou os EUA pelos subsídios à produção doméstica de algodão, o que prejudicava produtores brasileiros. Quanto à infraestrutura, Froman destacou que as empresas americanas estão de olho em grandes negócios, especialmente com os preparativos para a Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil.
China – Embora os números das exportações entre Brasília e Washington sejam expressivos, a China tem sido importante para o crescimento da América Latina, tornando a região menos dependente dos americanos. Diante disso, os EUA buscam convencer o Brasil de que os seus produtos podem ser mais interessantes do que os chineses. “Cada vez mais, o Brasil vê o valor de sua relação econômica com a China, mas também enxerga os pontos negativos dela”, afirmou Piccone.
“É importante observar a qualidade do comércio. O Brasil está exportando à China bens primários: produtos agrícolas, minerais e petróleo. Mas está recebendo em troca um monte de produtos chineses baratos que estão competindo com a indústria brasileira e a atrapalhando por causa do valor da moeda. Então, eu acho que os EUA equilibram essa relação e dão oportunidade para um mercado mais favorável ao Brasil”, acrescenta o especialista.
Além do interesse em vender mais, o governo americano quer conquistar o apoio brasileiro nos fóruns globais contra a subvalorização do yuan – um dos fatores que causam maior desequilíbrio na economia internacional, sobretudo na dos Estados Unidos, de acordo com autoridades do próprio país. Já o Brasil não tem se proncunciado de maneira clara sobre a questão.
Simbolismo – Apesar das intenções grandiosas, alguns analistas acreditam que a viagem de Obama será marcada pela assinatura de acordos e negócios apenas secundários, tornando-se mais simbólica do que produtiva. Afinal, além de ser a primeira visita de um presidente americano negro à primeira presidente brasileira mulher, esta é também a primeira vez em que um chefe de estado dos EUA vem ao Brasil antes de seu homólogo visitar Washington. Com o movimento, Obama quer mostrar que dá importância à região – ao contrário do que muitos presidentes americanos já deixaram transparecer – e que pretende construir uma relação mais pragmática com Dilma Rousseff.
Diplomacia – No que se refere à política externa, o encontro também pode provocar algumas saias-justas. “Eu acho que o grande elefante na sala é a aspiração brasileira de se tornar um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e se os EUA estão prontos para apoiar a candidatura brasileira da maneira que Obama fez na Índia”, diz Piccone. “Acredito que seria útil ele dar alguns sinais positivos nesta direção, mas o complicador é o resto da região. Será que os outros países estão preparados para aceitar o Brasil como candidato?”, questiona.
Outro assunto cuja temperatura já foi um pouco mais alta é o Irã. Os Estados Unidos desaprovaram a maneira como o Brasil vinha apoiando o programa nuclear iraniano – inclusive votando contra as sanções da ONU ao país em junho de 2010 – durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, o fato de a administração anterior ter dado as costas aos direitos humanos – tanto na República Islâmica, quanto em Cuba ou na Venezuela – em detrimento de governos ditatoriais e tiranos, fomentou críticas entre os colegas de continente. Os recentes posicionamentos de Dilma sobre a questão, especialmente após uma entrevista concedida ao jornal The Washington Post em dezembro do ano passado, foram vistos como auspiciosos pelos americanos. Obama deve demonstrar isso à colega, ainda que não de maneira pública.
Antiamericanismo – De acordo com documentos revelados pelo site WikiLeaks, os EUA sentem em setores do governo e da diplomacia brasileiros um sentimento antimaericano. E a percepção é precisa. Para Piccone, essa visão se deve a “certas figuras ideológicas da administração anterior, incluindo o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim”. “Com a transição, a expectativa é que o governo seja mais balanceado e menos ideológico”, pontua o especialista.
Fonte: VEJA