Um plano de revitalização de uma área abandonada há décadas em Recife gerou um impasse que se arrasta há anos, com manifestações nas ruas, decisões polêmicas e intervenções do Ministério Público de Pernambuco.

O alvo da polêmica é um projeto que prevê a construção de um complexo residencial e comercial, com 12 edifícios de até 40 andares, em um terreno localizado entre construções centenárias, junto à foz do rio Capibaribe.

Conhecida como cais José Estelita, a área pertencia à extinta Rede Ferroviária Federal e possui 101,7 mil m², o equivalente a 11 campos de futebol. O local abrigou a segunda linha ferroviária do Brasil, construída em meados do século 19.
Opositores do projeto consideram que a verticalização do trecho descaracterizaria a região e causaria graves impactos ambientais e sociais.
“O interesse público deve estar em primeiro lugar”, diz a arquiteta Cristina Lino Gouvêa, integrante dos movimentos Direitos Urbanos e #OcupeEstelita, este articulado nas redes sociais.
“A intervenção é necessária, mas há uma estrutura urbana a ser considerada.”
Uma audiência pública foi realizada há dois meses na Câmara de Recife, sem consenso. Mobilizados pelas redes sociais, ativistas vaiaram a apresentação do projeto.
SUSPENSÃO
Formado pelas empresas Moura Dubeux Engenharia, Queiroz Galvão e GL Empreendimentos, o consórcio que arrematou o terreno em leilão por R$ 55,7 milhões, em 2008, tentou iniciar as obras, mas foi impedido pelo Ministério Público.
“É inaceitável construir torres de 40 andares ali”, diz a promotora de Justiça do Patrimônio Histórico de Recife, Belize Câmara Correia.
Técnicos do Iphan (órgão do patrimônio histórico nacional), porém, consideraram que a área não pode ser considerada um patrimônio.
Segundo o superintendente do instituto no Estado, Frederico Almeida, a linha ferroviária não será atingida. Da velha estação, diz, nada restou, e os demais elementos sofreram forte “mutilação”.
O projeto está em análise na Secretaria de Obras de Recife. A secretária Maria De Biase diz que, se as exigências legais forem atendidas, “não há como evitar” a aprovação.
Iphan e secretaria exigiram, porém, contrapartidas e modificações no plano original, como a redução do tamanho dos prédios e a preservação de alguns galpões, para criação de um centro da memória ferroviária.
O Ministério Público deve exigir, porém, um estudo do impacto ambiental. E os ativistas prometem manter os protestos no local das obras.
OUTRO LADO
O Consórcio Novo Recife informou, em comunicado, que seu projeto para o cais José Estelita se preocupa com o urbanismo, a mobilidade e a revitalização “de uma das áreas mais belas da cidade e que está há décadas entregue ao abandono”.
O grupo lembra que o projeto passa pela avaliação da Prefeitura de Recife, Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco).
Segundo o comunicado, no momento, o projeto de revitalização ainda está sob análise do município.
O consórcio afirma também que criará áreas verdes e ciclovia no local e que garantirá a preservação de galpões da extinta Rede Ferroviária Federal que ainda existem na área, implantando neles um centro de cultura.
As empreiteiras se comprometeram ainda a restaurar a Igreja Matriz de São José, que começou a ser construída em 1845 e hoje está degradada.
O grupo empresarial não se posicionou sobre os protestos dos ativistas que se opõem ao empreendimento.
Fonte: Folha de São Paulo/Fábio Guibu, do Recife