Daniel Santini
06 de Fevereiro de 2013
São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, fevereiro de 2013. Na margem do Rio Araguaia, em uma das praças da orla arborizada, crianças sobem em duas mangueiras gigantes vizinhas uma da outra para tentar colher frutos quase inalcançáveis. Esticam os braços, sacodem os galhos, trepam nos mais altos tendo as águas como rede de segurança. As frutas mais maduras caem, quem está na rua grita, brinca, alguns dos moleques mergulham para evitar que a correnteza leve todo trabalho rio abaixo. Todos riem.
A cena é uma das muitas que se repetem diariamente na cidade com 10.625 habitantes e apenas 247 automóveis registrados, conforme os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – esta e outras informações específicas sobre municípios brasileiros podem ser consultadas na página especial sobre cidades do IBGE. Com a média de um automóvel para cada 43 habitantes, a pequenina São Félix é uma cidade tranquila, com ruas calmas, repleta de bicicletas, crianças brincando, velhinhos sentados conversando nas calçadas, praças arborizadas e muita gente na rua. É gente jogando bola, crianças apostando corridas, cantando, rapazes com violão. São Félix é uma cidade para pessoas. O município fica no nordeste do Mato Grosso, localizado em uma zona de transição entre cerrado e Floresta Amazônica, e a população costuma aliviar o calor com mergulhos no Rio Araguaia, que margeia e complementa o nome da cidade. A paz e o convívio são de um contraste perturbador para quem vive em grandes centros urbanos do Brasil.
Contraste que se reflete nos números sobre a cidade.
Informações sobre a frota da cidade (o levantamento, infelizmente, não inclui bicicletas) Imagem: Reprodução/IBGE Cidades
O levantamento do IBGE sobre veículos é o mais recente, relativo a 2010, e não inclui o número de bicicletas, infelizmente. Mas traz números interessantes que ajudam a refletir sobre a calma da cidade. Os gráficos que comparam a proporção de carros em relação aos ônibus como um todo explicita as diferenças em relação ao Mato Grosso e ao Brasil. Enquanto em São Félix os carros ocupam uma fatia pequena da pizza acima apresentada, correspondendo a 12,7% da frota de veículos, e os ônibus são 21,3%, no estado como um todo os números passam para 36,4% e 10,5%, respectivamente. No Brasil, os carros são 59% (!) da frota e os ônibus 3,9% (!!!), um despedício de espaço público e de combustível que ajudam a entender os congestionamentos crescentes e os níveis de poluição alarmantes nas metrópoles do país. Não custa lembrar que o espaço onde trafega um ônibus que leva 50 pessoas, é o mesmo ocupado por três ou quatro carros, que normalmente levam uma pessoa cada.
Outro dado que chama a atenção, é a proporção de motonetas na cidade, que representam 21,3% da frota. Não só em São Félix, mas em todo o Brasil, as motos menores ganham espaço substituíndo bicicletas, cavalos, jegues e caminhadas. Vendidas a longas prestações, com financiamentos e promoções constantes, elas estão cada vez mais presentes no interior do país. Quem vive há mais tempo no local, reclama que a calma de outrora já não é a mesma e que os motores incomodam.
As bicicletas, no entanto, ainda ditam o ritmo da cidade. Um ritmo tranquilo, calmo e acolhedor. Um ritmo de cidades para pessoas.