O primeiro projeto de sequestro de carbono do Brasil, instalado no litoral norte do Paraná, completa dez anos, sob ameaça. Não há dinheiro para bancá-lo pelas quatro décadas em que ele deveria funcionar. Seus criadores agora apostam no sucesso da conferência do clima de Copenhague, em dezembro, para mantê-lo vivo.

O projeto consiste em duas ações. A principal é proteger uma área já existente de 16,5 mil hectares de floresta (mais do que o centro expandido de São Paulo) dentro da Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba, um dos maiores remanescentes da mata atlântica. A outra é restaurar a mata em 1.500 hectares degradados na região, que abrigava, até os anos 1990, criações de búfalo.

A ONG paranaense SPVS (Sociedade para a Proteção da Vida Selvagem), que mantém o projeto em parceria com a americana TNC (The Nature Conservancy), espera que Copenhague aprove o chamado Redd, mecanismo que permitirá que ações de desmatamento evitado e conservação gerem créditos de carbono. Se isso acontecer, o interesse das empresas deve aumentar -e dinheiro poderá entrar.

“Está tudo na mão. A gente já dominou a metodologia. Não é inteligente deixar essa área só na manutenção”, disse Clóvis Borges, diretor da SPVS. O projeto teve um começo promissor. Três empresas americanas (General Motors, American Electric Power e Chevron Texaco) tinham acabado de criar um fundo de US$ 18 milhões para bancar a ideia. Um terço do dinheiro foi utilizado logo de cara na compra das três áreas do onde o projeto seria implementado. O resto foi investido nos Estados Unidos -a ideia era que os rendimentos pudessem ajudar a sustentar as atividades pelas quatro décadas.

As companhias fizeram isso acreditando que estavam se antecipando ao Protocolo de Kyoto. Na época, achava-se que o tratado do clima fosse permitir emissão de créditos de carbono por desmate evitado no chamado MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo).

Bush e a crise
Mas então deu tudo errado. Kyoto travou em 2001, abandonado pelos EUA de George W. Bush. O acordo só viria a entrar em vigor em 2005 -mas o desmatamento evitado, grande trunfo do projeto de Guaraqueçaba, ficou de fora do MDL.

“Tudo esfriou, muitas empresas se desinteressaram. Isso acabou prejudicando o projeto. Ao longo desses anos, em termos financeiros, a gente se decepcionou”, diz André Ferretti, engenheiro florestal que coordenou o projeto até 2005. E outros fatores também atrapalharam. O Real se valorizou (fazendo com o dinheiro investido nos EUA perdesse cada vez mais valor). Em 2008, veio a crise econômica. Neste ano, a GM, que era a principal doadora, foi à bancarrota.
Após tudo isso, já foram gastos US$ 10 milhões. Sobram, então, apenas US$ 8 milhões. O custo de manutenção do projeto chega a US$ 700 mil por ano. Como faltam 30 anos para completar o objetivo inicial, é óbvio: a conta não vai fechar.

Resultados
Desde o início, a ideia era menos compensar emissões de carbono (afinal, o projeto compensaria apenas o equivalente às emissões de de 8.000 carros) e sim ser um modelo de área onde o desmatamento foi evitado e o carbono, mantido.

Mas isso não aconteceu. “O mercado ainda não se abriu para manter a qualidade do projeto na área piloto e replicar a ideia fora dele e em outros biomas”, diz Borges. “Agora a questão do desmatamento evitado está voltando, e este modelo pode informar sobre medição e adicionalidade em projetos de Redd”, diz Fernando Veiga, coordenador de Serviços Ambientais da TNC . O maior ativo do projeto são estudos pioneiros sobre o comportamento do carbono na mata atlântica: quanto ela absorve, quanta área é necessária para compensar cada tonelada.

Ferretti destaca também, como benefício extra, a conservação de uma área importante para a biodiversidade -há na região espécies ameaçadas na mata atlântica, como a onça-parda, a anta e a queixada.

Além disso, fala da contratação de 45 moradores -o projeto é o segundo maior empregador da região de Guaraqueçaba, perdendo apenas das prefeituras. Os locais receberam treinamento para atuar como guarda-parques e plantadores de mudas nativas. Há dois anos, eles criaram uma cooperativa de produção de mel retirado da própria floresta regenerada. “Antes eles estavam marginalizados, degradando a floresta. Hoje, sabem coisas [sobre manejo florestal] que eu, engenheiro florestal formado na USP, não sei”, diz Ferretti.

Dimitri do Valle
Folha de São Paulo