WASHINGTON – Quatro anos depois de publicar o relatório “Uma Década sob Chávez”, a organização Human Rights Watch (HRW) constatou em novo relatório ter se tornado “ainda mais precária” a situação dos direitos humanos na Venezuela. O documento, divulgado há pouco em Washington, constata não ter havido recuo no controle do presidente venezuelano, Hugo Chávez, sobre o Congresso e a
Suprema Corte de Justiça. Desde 2008, ao contrário, Chávez ampliou os poderes de seu governo para “limitar a liberdade de expressão e punir os seus críticos” e para desconsiderar a autoridade do sistema interamericano de direitos humanos.
O texto “Apertando o Cerco: Concentração e Abuso de Poder na Venezuela de Chávez”, com 133 páginas, destaca seis casos considerados pela HRW como flagrante abuso de poder de Chávez e de seus colaboradores. “Para juízes, jornalistas, emissoras e defensores dos direitos humanos, em particular, as ações do governo enviaram uma clara mensagem: o presidente e seus seguidores estão dispostos e capazes de punir as pessoas que desafiarem ou obstruírem seus objetivos políticos”, assinala o documento.
“Enquanto muitos venezuelanos continuam a criticar o governo, a perspectiva de enfrentar represálias semelhantes, de forma arbitrária ou de ação abusiva do Estado, minou a habilidade de juízes julgar casos politicamente sensíveis e forçou jornalistas e defensores de diretos humanos a pesar as consequências da publicação de informação e de opinião crítica ao governo.”
O primeiro caso exposto pela HRW foi o da juíza María Lourdes Afiune, punida pelo governo por ter concedido, em 2009, liberdade condicional a um crítico do regime, preso havia três anos sob acusação de corrupção e ainda não julgado. María de Lourdes foi qualificada como “bandida” pelo próprio presidente Chávez, que pediu à Justiça sua condenação a 30 anos de prisão. Ela permaneceu presa em “condições deploráveis” por um ano, exposta a prisioneiro que antes condenara e sujeita a ameaças de morte. Em fevereiro de 2011, María de Lourdes foi transferida do cárcere para prisão domiciliar e até hoje aguarda julgamento.
O caso da prisão do político de oposição Oswaldo Álvarez Paz também figura entre os exemplos de arbitrariedade do governo venezuelano enumerados pelo HRW. Em março de 2010, Álvarez comentara em programa da emissora de televisão Globovisión a suspeita de aumento do tráfico de drogas na Venezuela e uma investigação de um tribunal espanhol sobre a possível colaboração entre o governo da Venezuela com a guerrilha colombiana e os separatistas bascos.
O próprio Chávez pediu para setores de seu governo “tomar ações”. Álvarez foi preso sob a acusacão de ter feito “falsas acusações” para semear o “medo na população”. Um ano depois, foi condenado a dois anos de prisão, cumpridos em liberdade condicional.
De acordo com o documento, a defensora de direitos humanos Rocío San Miguel foi acusada publicamente por Chávez de ser uma “agente da CIA” e de “incitar a insurreição” por ter denunciado, em um programa de TV, a filiação de militares venezuelanos ao partido político do presidente. Essa atitude é proibida pela Constituição venezuelana.
A imprensa tem sido alvo frequente de censura e de sanções do governo, segundo o relatório. A emissora de televisão RCTV perdera o direito de transmissão aberta em 2007, por causa de seus materiais críticos ao governo de Chávez, e tornara-se uma TV a cabo. Novas regulações foram limitando progressivamente suas emissões, hoje apenas transmitidas pela internet. A Globovisión, único canal de televisão crítico ao governo a manter-se no ar, foi multada em US$ 2,1 milhões pelo governo, em 2011, como represália a reportagens sobre uma rebelião em um presídio.
Segundo o documento, a reforma da Suprema Corte de Justiça aprovada pelo Congresso em 2004 permitiu o controle de Chávez sobre o Judiciário do país. Todos os membros da Corte composta em 2010, diz o documento, “abertamente rejeitam o princípio da separação dos poderes e publicamente se comprometem com o avanço da agenda política do presidente Chávez”. O resultado foi a validação, pelo Judiciário, de “desrespeitos do governo às normas internacionais de direitos humanos”.
“Se a Venezuela quer cumprir a promessa da Constituição de 1999, deve emendar ou repelir políticas, leis e práticas que minam os direitos básicos dos cidadãos”, conclui o documento, em um apelo ao governo de Chávez para a “eliminação de obstáculos para a Justiça independente, a liberdade de expressão e a independência das organizacões da sociedade civil”.
No documento, a HRW reforça a maioria das recomendações enumeradas no “Uma Década sob Chávez”. “Nenhuma delas foi aotada ainda “, constatou o novo relatório.
Para o Judiciário, o documento recomenda que novos ministros para a Suprema Corte tenham o respaldo de 2/3 do Congresso e que a seleção de seus nomes seja “aberta e transparente”. Os atuais juízes sem tamanho apoio político teriam de ser removidos. A Suprema Corte, assinala o texto, tem de “reassumir o seu papel de garantidor independente dos direitos fundamentais” e passar a tomar decisões de forma “imparcial”.
A HRW pede ainda à Procuradoria-Geral da União a investigação de autoridades que tenham abusado da Justiça para perseguir opositores do governo e a liberação da juíza María Lourdes Afiuni das acusações que lhe pesam.
No âmbito da liberdade de expressão, a organização de direitos humanos sugere emendas ou a eliminacão completa de leis que dão ao governo o poder de censura e de punição a seus críticos. A HRW não chega a pedir o fim da Lei de Emissoras, mas sua adequacão às normas internacionais de liberdade de expressão. Os suspeitos de violação dessa lei, recomenda o texto, devem ser investigados sem interferência política e ter o direito de defesa.
A HRW ainda pede o abandono, pelo governo venezuelano, de sua postura agressiva contra as organizações de direitos humanos e da sociedade civil e o respeito às instituições interamericanas de direitos humanos. Nesse sentido, recomenda ao Congresso emendar o artigo da Lei Orgânica sobre o Controle Social de forma a esclarecer que a obrigação de aderir aos “princípios socialistas” não cabe aos defensores dos direitos humanos e a organizações dessa área.