Por Marina Silva
A política chega ao “miolo do vulcão” e seus agentes parecem o avesso de Midas: aspiram produzir os grandes relatos da história, mas tudo o que tocam, como ironizou Peter Sloterdijk, resulta algo “involuntariamente pequeno”.
O julgamento, na mais elevada corte, de uma denúncia de corrupção, conhecida como mensalão, em vez de firmar os pesos na balança da Justiça mais parece atiçar a fogueira das vaidades e reforçar os vícios que lhe deram origem.
Uma CPI que deveria punir a continuidade renitente dos esquemas criminosos no Estado e estancar a cachoeira da corrupção vira um show de vergonhas. Ali, os que têm algo a dizer ficam em silêncio e os que não têm gritam.
Uma campanha eleitoral se arrasta nas ruas e se anuncia na TV desconhecendo as cidades e seus problemas para focar-se na disputa de poder, com alianças, discursos e marketing que lembram uma liquidação no comércio varejista.
Tudo o que minha geração batizou de “velha política” mostra sua capacidade de agarrar-se nas estruturas materiais e mentais e dali contaminar todo o organismo do país.
Assim, se uma lei de proteção às florestas pode ser desfigurada para servir ao setor mais retrógado do ruralismo, o passo seguinte é constranger a sociedade e os ambientalistas a largarem seus princípios e propostas e aderirem ao “mal menor”, a versão negociada do retrocesso, como se os ecossistemas funcionassem por acordos políticos.
E há quem especule com o destino do Movimento Nova Política, visto na ótica do poder como uma “articulação para criar um novo partido”, como se nesse ambiente de política “em tempos do cólera” não caibam mais ideais sinceros.
Como em uma fita moebios, onde não se distingue dentro e fora, qualquer ação ou palavra é interpretada como parte do jogo, dar ou negar apoio a candidatos, ocupar espaço, afirmar-se na disputa.
A esperança se guarda e se renova na imprevisibilidade de nós mesmos, pois para além de nossas narrativas diminutas há sempre a grandiosidade dos muitos Brasis que habitamos e dos muitos que nos habitam.
Uma porção generosa criativa e livre completa seus 70 anos de vida mantendo a alegria e a esperança da juventude.
Caetano e uma geração inteira, de Gil e Milton e Chico e tantos brasileiros que promoveram um ideal de conhecimento ético e estético que não pode se perder, não vai se perder nem diminuir.
A grandeza da alma brasileira, os valores cantados pela nossa exuberante diversidade cultural, todos os tesouros da nossa terra e mais as dádivas que recebemos do céu são as verdades tropicais em que nos afirmaremos para superar, na radical critica de Walter Benjamin, as ‘experiências de pobrezas’ desse nosso tempo, tempo, tempo. Compositor do destino?
MARINA SILVA escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Fonte: Folha S. Paulo